domingo, 28 de abril de 2019

Aika (2018)


A situação de refugiados virou um tema recorrente em diversos países. Moscou, na Rússia, não é excessão. O filme dirigido por Sergey Dvortsevoy traz uma dessas situação a tela. Aika nos chama a atenção para as dificuldades enfrentadas por quem procura uma vida melhor, e mais justa, em outro país. Além disso, existe uma crítica (que pode decorrer do meu próprio entendimento) a grupos de incentivo que não veem a situação da pessoas, que muitas vezes se enganam com o que escutam.

Aika é a personagem-título de quem falamos, de origem cazaque, ela vive ilegalmente em Moscou. O filme começa com a sua fuga do hospital, após dar a luz uma criança. Suas condições não permitem que cuide de um filho, além da falta de dinheiro e comida, deve para agiotas russos. O dinheiro foi emprestado para que pudesse realizar seu sonho: abrir uma fábrica de custura. Daí vem a crítica da qual falei. Sempre com um livro daqueles "fique rico pensando" em mãos, ela perambula pela cidade atrás de subempregos, onde é explorada devido sua situação de imigrante.

O assunto parece ter ganhado destaque no cinema nos últimos meses. Aiko foi indicado a Palma de Ouro, na edição de 2018 do Festival de Cannes. Junto dele estavam Cafarnaum (da libanesa Nadine Labaki) e Assunto de Família (de Kore-eda), ambos abordam a vida de pessoas marginalizadas, sejam imigrantes ou emigrantes, cada um com seu diferencial. Enquanto o filme libanês trata o assunto a partir de uma criança, Kore-eda reúne uma "família" inteira. Já no caso de Aika, é uma mulher solitária, que passa por situações humilhantes devido as suas condições de vida, tudo isso em uma ótima atuação de Samal Yeslyamova, assumindo o papel da protagonista.

No final da sessão, um senhor reclamou dizendo que o filme não era bom. Acredito que Aika seja isso, ou um filme muito bom, ou um filme muito ruim. Depende da sua percepção das coisas e o quanto está disposto a pensar na situação pela qual a protagonista passa. Na minha opinião, Dvortsevoy é certeiro. Gostei da câmera meio solta na fuga do hospital, da aproximação da personagem e dos cenários frio e solitários como deveriam ser. Aika é um excelente filme e se faz necessário diante do cenário que muitos países se encontram em relação a imigração.

sábado, 27 de abril de 2019

Histórias que Nosso Cinema (não) Contava (2018)


Houve um momento no cinema Paulista em que nada parecia ser levado a sério. Foi o surgimento do que muitos conhecem como pornochanchada, enquanto outros o rotulam como cinema marginal. Independente do nome, foi ali pelas décadas de 1970 e 1980 que ele deu as caras, tendo grandes diretores como Carlos Reichenbach, Ody Fraga, Neville D'Almeida e tantos outros nomes. Mas embora parecesse, nem tudo era piada e é isso que a diretora Fernanda Pessoa nos mostra em seu primeiro longa-metragem: Histórias que o Nosso Cinema (não) Contava.

Com recortes de 30 filmes da época, entre eles A Super Fêmea (1973), Cada um Dá o Que Tem (1975), Eu Transo, Ela Transa (1972) e O Enterro da Cafetina (1971), Pessoa mostra que nem tudo naquele cinema era piada ou vulgaridade. Na época em que a ditadura reprimia e seu governo fazia o que bem entendia, tanta piada era usada para burlar o sistema e esconder o que poderia ser visto nas entrelinhas, como afirma Neville D'Almeida que em Neville D'Almeida: Cronista da Beleza e do Caos (2018).

Na sequência montada pela diretora vemos falas e imagens que atuam contra o que acontecia no país. Uma crítica forte, feita através do sarcasmo, sobre o caminho que a sociedade brasileira estava sendo empurrada pelo governo ditatorial. Além disso, existia também uma forte caminhada contra a violência contra a mulher e a homofobia, que na época já eram combatidas por quem conseguia se fazer ver.

O mais interessante desse filme é a montagem. Pode parecer fácil produzir algo sem ao menos gravar uma cena. Mas achar o formato adequado de se fazer isso é o verdadeiro trabalho, mas nisso Fernanda Pessoa foi certeira. A sequência de cenas parecem se tratar de um único filme, se tivéssemos os mesmo personagens em todas elas, teríamos certeza que seria o caso. Foi um ótimo trabalho da diretora, que segue um linha de tempo eficaz e nos mostra que nem tudo foi pornochanchada.

sábado, 20 de abril de 2019

Ex-Pajé (2018)



Logo no início somos alertados para o etnocídio, que consiste na destruição da civilização ou cultura de uma etnia por outro grupo étnico. Diante de todas as adversidades que vemos o povo indígena enfrentar nos dias de hoje, Ex-Pajé trabalha esse aspecto, onde um ex-pajé é sucumbido pela igreja evangélica. Escrito e dirigido por Luiz Bolognesi, o filme nos mostra um pouco da cultura indígena e sua necessidade para o povo.

Perpera, hoje usando roupas sociais e atuando como zelador de uma igreja evangélica, já foi pajé na tribo Paiter Suruí, em Rondônia. Durante todo o filme, que traz uma mistura de documentário com pouca ficção, ele relembra a importância dos espíritos da natureza para o bem estar da tribo, e como é perigoso andar contra isso. Embora toda a tribo tenha aceitado a nova religião, quando necessário apelam para os espíritos da natureza e vêm sua magia dar resultados.

Bolognesi foi responsável por ficções premiadas, como 'Bingo: O Rei das Manhãs' e 'Como os Nossos Pais". Mas é um ex-estudante de antropologia, fato que o ajudou muito nessa produção. Sua primeira ideia era criar uma série, em 2015, mas mudou assim que soube sobre a situação da tribo em relação ao pajé. O ponto abordado pelo diretor é interessante, mostra a necessidade de uma tribo em ter seu pajé e como é injustamente privada disso, por uma cultura invasora que ameaça a tribo através de um terror psicológico.

Sempre gosto de lembrar que o papel do Cinema vai além do entretenimento. Hoje vemos muitos filmes, alguns documentais e outros pura ficção, que mostram a realidade de tribos indígenas que não vemos na TV, e atuam no cenário cinematográfico como uma denuncia ao que vem acontecendo. O longa de Luiz Bolognesi mostra sua importância, nos alertando para o que está acontecendo e o quanto isso pode prejudicar uma comunidade nativa. No ano passado, Ex-Pajé recebeu o prêmio Abraccine no festival É Tudo Verdade, o que lhe garantiu mais visibilidade e fôlego para essa luta que não podemos deixar passar despercebida.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2018)


Morar em uma cidade onde todos se conhecem e qualquer acontecimento, o mínimo que seja, chama atenção é algo bem comum no interior de qualquer país. Mas se algo pequeno chama atenção, o que fariam três anúncios em outdoors? O diretor e roteirista Martin McDonagh trabalha com essa ideia em Três Anúncios Para um Crime, onde as ações individuais interferem de maneira drástica na vida coletiva de uma cidade no Missouri.

Mildred (Frances McDormand, vencedora do Oscar de Melhor Atriz) é uma mãe que busca justiça pelo assassinato de sua filha. Responsável pelos três anúncios que fazem a calmaria da cidade virar uma guerra, ela aponta o chefe de polícia, Willoughby (Woody Harrelson), como responsável pela impunidade. Porém, o policial Jason Dixon (Sam Rockwell, melhor ator coadjuvante) é  o mais afetado por isso, começando um conflito aberto com Mildred e qualquer um que pareça lhe apoiar.

O interessante do trabalho de McDonagh é a criação dos personagens. Todos ali têm motivos convincentes para suas ações, é difícil escolher um lado. Enquanto a mãe sofre com a perda da filha, o chefe de polícia é um sujeito respeitado e realmente busca solucionar o caso, sendo impedido pela real falta de pistas. Já o policial Dixon, digamos que possui uma inteligência deveras limitada. Mas toda a jornada desses três personagens nos mostra como a ação de um indivíduo pode atingir toda uma sociedade.

No fim, Três Anúncios Para um Crime é um filme que entende o que é preciso para criar um ambiente de tensão mesmo com poucos personagens. Com algumas sacadas de humor negro, que joga com o racismo e preconceitos de sulistas norte americanos, a história caminha em busca de redenção para seus personagens. Além disso, é uma excelente produção, com fotografia e trilha sonora excepcionais. Vale cada minuto de cena.

domingo, 14 de abril de 2019

Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar (2019)



É TUDO VERDADE - Tudo começou com a necessidade do diretor Marcelo Gomes de revisitar uma de suas memórias de criança. Quando jovem, junto a seu pai que era fiscal, visitou a cidade de Toritama, um cidade entre o sertão e o litoral de Pernambuco.

Uma cidade agitada com calçadas cobertas de jeans e motos para cima e para baixo entram em conflito com as memórias de Marcelo. Em Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar ao invés do Silêncio e calmaria de uma cidade interiorana, o que temos é o constante barulho de máquinas que trabalham dia e noite sem cessar. Mas para que tanto trabalho? Para passar a semana de carnaval na praia.

Diante de tantos filmes relativos a carnaval que foram lançados esse ano,  Estou Me Guardando... é o que mais me chamou atenção. Talvez seja sua ideia mais intimista, nada é ensaiado, os discursos surgem ali, no calor do momento.

Mas Marcelo Gomes nos chama atenção para um fator importante. Embora o trabalho autônomo pareça uma boa opção (a ideia de fazer seu próprio tempo e dinheiro é sedutora), qual o preço que se paga por isso? O preço são as geladeiras e televisores vendidos por um final de semana, o preço é a falta de garantias para o futuro.

Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar é extremamente importante diante da situação econômica pela qual passamos. Embora o trabalho por conta própria pareça uma excelente opção, é necessário pensar se é mesmo o caminho para se trilhar uma vida inteira. E isso o povo de Toritama vem nos ensinar.

Marceline. Uma Mulher. Um Século (Marceline. Une Femme. Un Siècle, 2018)


É TUDO VERDADE - Quantas histórias vivemos em um ano? Em Marceline. Uma Mulher. Um Século vemos histórias de 100 anos. O documentário da diretora francesa Cordelia Dvorák traz a história de vida da cineasta e escritora Marceline Loridan-Ivens, nascida em 1968 em Paris. De família judia, vinda a Polônia, ainda jovem foi deportada justamente com seu pai, passando a viver no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.

Marceline é uma mulher forte. Não é preciso esperar ela dizer para notar isso, basta ver a determinação em seus olhos. Cordelia a segue em qualquer lugar que ela vá, embora a maior parte do cenário seja a sua sala, também se destaca a sua vaidade em outros ambientes, como o salão de beleza, onde ela vai retocar o vermelho de seus cabelos. As cenas gravadas pela diretora se misturam com filmes como Crônicas de um Verão (1961) e 17th Parallel - Vietnam in War (1968), e desde do início de seu carreira, vemos a determinação de Marceline.

Sua estadia em Auschwitz a deixou mais forte. Foi lá que Marceline conheceu Simone Veil, futura ministra da saúde que defendeu a despenalização da interrupção voluntária da gravidez na França. fortemnete influencia e determina, Marceline fez o que mais gostava, um cinema que buscava o cotidiano. O dia a dia das pessoas eram destaques em seus filmes, na China foram inumeras horas de gravação, que resultou em Como Yukong Moveu Moveu as Montanhas, um retrato sobre a vida do povo chinês e seu desenvolvimento social e cultural.

Marceline. Uma Mulher. Um Século é um documentário que merece atenção. Além da vida impressionate de Marceline (que faleceu em 2018), toda a produção de Cordelia Dvorák é excelente. A direto soube captar toda a emoção que as lembranças de Marceline poderiam causar nela. O filme é um reflexo de uma pessoa que aprendeu muito em seus 100 anos e através dele, tem a oportunidade de nos ensinar um pouco disso tudo.

sábado, 13 de abril de 2019

Meu Amigo Fela (2019)


É TUDO VERDADE - Fela Kuti, nigeriano multi-instrumentista e um dos criadores do gênero afrobeat. Só ai já daria um bom documentário, mas o diretor Joel Zito Araújo e sua equipe foram fundo na história do nigeriano e buscaram sua história na raiz. Tudo começou quando Carlos Moore entrou em contato com Joel Zito, depois de amizade formada, surgiu Meu Amigo Fela, uma produção que explora toda a complexidade de Fela, desde quando mal sabia sobre sua própria cultura, até sua morte por decorrência da aids.

Fela Kuti não foi só um ídolo da música pop nos anos 1960/1970. Quando levou sua banda em turnê nos EUA, conheceu Sandra Smith, ativista e partidária dos Panteras Negras. Sua influência sobre Fela foi tamanha que mudou totalmente sua visão política e, consequentemente, as letras de suas músicas. A partir daí, Kuti virou um ativista político, sendo um dos poucos nigerianos que tinham a coragem de se levantar contra o governo de seu país, que logo passou por um período militarista. Mas isso o tornou um personagem excêntrico. Possuía 27 mulheres que, segundo Carlos, eram totalmente submissas. Já perto do fim, em sua casa ele era uma pessoa completamente diferente do que mostra nos palcos e palanques por onde passava. Essa excentricidade é lembrada por Carlos Moore, Sandra Smith e muitos outros personagens que fizeram parte de sua vida.

Mas na vida de Fela tudo tinha um motivo forte. Se a necessidade fez com que ele usasse o que aprendeu com Sandra Smith para conscientizar o mundo sobre o que vinha acontecendo na Nigéria, sua atividade política lhe trouxe muitos problemas. Mas esse ativismos veio de berço, sua mãe sempre lutou pelo direito das mulheres e do povo, quando poucas pessoas tinham coragem para isso no mundo, menos ainda na Nigéria. Mas suas criticas ao governo militar fez com que se tornasse um alvo e isso o levou a loucura. 

Joel Zito fez um trabalho surpreendente ao lado de Carlos Moore. Abordando política através de suas músicas, Fela Kuti nunca foi mais presente no cenário brasileiro, onde os governantes buscam acabar com todo o pouco incentivo cultural do país. Mais uma vez vemos a importância e necessidade da produção de documentários, histórias como a de Fela não podem ser esquecidas, por isso a importância de festivais como o É Tudo Verdade. E falando em Brasil, a homenagem que Joel Zito fez a Marielle Franco arrancou aplausos do publico presente cinema.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

A Beira (The Brink, 2019)


É TUDO VERDADE - The Brink é um documentário perigoso. Talvez não seja totalmente partidário, já que a diretora Alison Klayman sempre questiona as ações de Steve Bannon. Mas certamente, como era de se esperar, existe um forte discurso de extrema direita, pois estamos falando do maior percurso populista do mundo, como é mostrado no doc.

Quem não conhece Bannon, lá vai uma rápida biografia de sua vida política. Ex-estrategista-chefe da Casa Branca, ele foi exonerado de seu cargo pouco depois conseguir a eleição de Trump. Ainda assim seguiu influenciando a população norte americana e européia, defendendo sua visão populista global, durante as eleições de 2018. Durante esse tempo foi acompanhado mundo a fora por Klayman, que captou momentos tensos e jantares que Bannon classifica como "casual". 

Existe algo surpreendente em The Brinks. Ao contrário do que pode parecer, Steve Bannon é um cara carismático. Isso faz parte do seu poder de convencimento. Embora não pareça ter convencido as pessoas que estavam no cinema (os bastidores colocam seu discurso em xeque), seu humor afiado conseguiu algumas risadas. Porém, quando seus argumentos são contrariados, ele pode se tornar uma pessoa desprezível, racista e outras coisas que prefiro não mencionar. 

Umas das coisas boas de um documentário é isso, ele não é uma propaganda. Tendo noção disso, a diretora dá espaço para outras vozes. Todos os lados de Bannon são expostos e vemos como muitas de suas ideias parecem fazer sentido para um grupo de pessoas, outras vezes vemos um distorção dos fatos. No fim, gostei do resultado que Alison Klayman alcançou com The Brinks, é um documentário importante para o que está acontecendo na política mundial nos dias de hoje.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Defensora (Advocate, 2019)


É TUDO VERDADE - Nem só de ficção vive o cinema. O Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade é a prova disso.  Chegando a sua 24° edição, o evento reúne 66 documentários nacionais e internacionais que estão sendo exibidos, gratuitamente, em São Paulo e no Rio.

O primeiro longa que consegui ver foi Defensora, da diretora Rachel Leah Jones e Philippe Bellaïche. Lea Tsemel é a personagem central do doc. Advogada Israelense, ela defende palestinos há cinco décadas. Alguns deles são manifestantes não-violentos, militantes armados, fundamentalistas ou feministas, mas o que carregam em comum são as acusações de serem terroristas, mesmo quando não o são.

A produção de Leah Jones e Bellaïche nos mostra uma defensora pública que deveria ser modelo para muitos outros. Lutando contra um sistema nada justo e totalmente partidária nos conflitos entre palestinos e israelenses, Tsemel não se deixa intimidar e  aos poucos busca mudar a situação jurídica de seu país. É triste quando ela afirma que a única vitória que ela alcança é diminuir em um ou dois anos a pena de seus clientes, mesmo quando vemos os casos em que ela trabalha durante o filme (onde vemos duas pessoas desprovidas de culpa e ainda assim julgadas como terroristas). Mas seu empenho é inspirador. São poucos os que conseguiriam ir até um tribunal sabendo que perderia o caso, e são muito menos os que lutariam contra um sistema tão retrógrado, expondo a si e sua família a uma população muitas vezes violenta.

Muitas vezes durante sua carreira, Lea foi denominada advogada do diabo, quando na verdade apenas defendia aqueles que lutavam por seu direito. Com o tempo começou a ser conhecida como uma defensora dos Direitos Humanos, recebendo alguns admiradores. Acredito que essa seja uma das maiores missões do É Tudo Verdade, mostrar as pessoas o que acontece em todo o mundo, dando visibilidade para quem a merece e nos ensinando através de histórias reais.