quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Cafarnaum (Capharnaüm, 2018)


O Festival de Cannes é a porta de entrada para grandes produções. Ovacionado por 15 minutos no festival, onde levou a Palma de Ouro (maior prêmio), Cafarnaum é o novo trabalho da diretora libanesa Nadine Labaki (do excelente E Agora Onde Vamos?, 2011). A história nos leva a uma odisseia pelas favelas se Beirute, preenchida de tensão e indignação.

Zain (Zain Al Rafeea) acha que tem 12 anos - ele ou a família não sabem ao certo -, mas está apto a empilhar mercadorias no venda onde trabalha, entregar botijões de gás e vender suco pelas ruas, tudo para garantir seu sustendo e de mais uma leva de irmãos. E essa é sua maior indignação. Não parece se importar em trabalhar, o que mais o revolta e seus pais continuarem tendo filhos diante daquela miséria. Por isso deseja processá-los. Mas a história não é tão simples assim, existe uma trajetória que Zain nos leva, mostrando as atrocidades na qual diversos refugiados estão expostos.

Em sua terceira produção, Nadine Labaki aposta em não atores. Mas esses não atores fazem bem seus papéis, já que não vivem tão distante dessa "ficção". Yordanos Shiferaw, que no filme e na vida real é uma imigrante etíope é presa por falta de identificação, dias depois de finalizadas as filmagens, ela é presa pelo mesmo motivo. Zain também é um refugiado sírio que vive praticamente a mesma situação interpretada em Cafarnaum.

Cafarnaum encara uma verdade mundial. Estamos em uma época em que diversas pessoas precisam sair de seu lar para encarar algo incerto, tudo isso por conflitos políticos e, algumas vezes, desastres naturais. Nadine foi fundo na situação vivida por muitos deles e expõe toda essa dificuldade, que precisa ser combatida urgentemente. Em meio a todo caos, Cafarnaum é lindo e mais uma vez vemos a arte chamando a atenção para casos urgentes, que merecem nossa atenção.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Roma (2018)


Ver um filme no cinema é uma experiência totalmente diferente. Queria ter assistido Roma na tela grande, mas por falta de tempo ou sessões isso não foi possível. Confesso que assistir na TV de casa, embora mais confortável, foi tum pouco decepcionante. Outro problema foi a demora para assistir. Roma é um filme gigante, afinal, é uma produção de Alfonso Cuarón, mas criei expectativas que dificilmente seria atingida. Mas como eu disse, é uma questão de experiência. Mea culpa.

Quanto ao filme, a história narra, sem muitas pretensões, a vida de Cleo (a estreante Yalitza Aparício), empregada doméstica e babá de uma família de classe média alta, no México dos anos 1970. Em sua folga Cleo se junta a Adela (outra empregada da família, interpretada por Nancy Garcia) para ir ao cinema com seus namorados, Fermín e Ramon. Cleo fica desnorteada quando, em um momento mais necessário, descobre que Firmín não quer um compromisso sério. Mas encontra apoio na família para quem trabalha, que apesar de tudo também vive seu momento mais trágico.

O filme é como uma auto biografia de Alfonso Cuarón, mesmo não o trazendo como personagem principal. O diretor aproveita o protagonismo de Yelitza para montar uma trama corriqueira, longe do incomum, mas muito próxima de uma obra de arte. Embora simples e livre de julgamentos, o novo trabalho de Cuarón conta com momentos de tensão. A cena em que Antônio (pai da família) chega com seu poderoso Galaxy e precisa colocá-lo em uma garagem minúscula desperta apreensão, não só do expectador, mas de todos os personagens que param para ver a manobra.

O filme me lembrou duas produções nacionais. Uma delas é o maravilhoso Que Horas Ela Volta (Anna Muylaert, 2015), o caso da empregada doméstica que faz parte da família quando convém, mas é sempre lembrada de qual é sua posição. Outro filme é Como Nossos Pais (Laís Bodanzky, 2017), em relação ao casal, que vêm o seu relacionamento chegando ao fim, mas negam tal situação.

Uma curiosidade interessante é que Cuarón fez quase tudo no filme. A direção é sua, o roteiro (feito ao mesmo tempo em que as cenas eram gravadas), produção, fotografia... Por isso Roma é um filme de detalhes, é preciso de muita atenção para não perder nenhum deles. Talvez isso garanta ao filme o título de obra de arte, claro que merecidamente, pois Alfonso Cuarón, com tanta sutileza, surpreende.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O Lagosta (The Lobster, 2015)


Muito me falaram sobre a qualidade de O Lagosta, ou seu antecessor, Dente Canino (2009). Mas meu primeiro contato com o diretor Yorgos Lanthimos foi por Kinetta, filme exibido na Mostra de Cinema Grego, na Cinemateca. O que mais me chamou atenção foi a excentricidade do diretor, fazendo uma experimentação humana. Com O Lagosta não poderia ser diferente. Lanthimos, ao lado de Efthimis Filippou, faz um filme anômalo, que lhe garantiu a indicação de Roteiro Original no Oscar.

Em um futuro não muito distante, é proibido ser solteiro. David (Colin Farrell) é solteiro e por isso é mandado para um hotel onde deverá se "apaixonar" e achar uma companheira. Caso isso não aconteça, ele será transformado em um animal de sua escolha, daí vem o título Lagosta. Sua escolha implica na longo tempo de vida e disposição sexual do animal.

Porém, nem todos aqueles que não encontram um par são transformados em animais. Alguns conseguem fugir antes que isso aconteça. Mas logo são caçados pelos os hóspedes do hotel, que a cada captura ganham mais um dia em sua busca pelo romance ideal.

O Lagosta é, sem dúvida alguma, uma crítica a sociedade e o conservadorismo. Essa obrigação de ser casado vai de encontro com a necessidade de pessoas estarem em um relacionamento concreto para que seja melhor aceito pela sociedade. Isso fica ainda mais explícito quando dirigentes do hotel alegam que no caso do casal não conseguir resolver seus problemas, uma criança será adicionada para que os ajude nesses conflitos.

Embora seja um filme longo, que se torna ainda maior em sua melancolia, O Lagosta é uma ótima produção de Yorgos Lanthimos. Esse é o que primeiros longa em língua inglesa, porta de entrada para o cinema mundial, onde agora está concorrendo (com boas chances) ao Oscar de Melhor Filme com A Favorita (Favourite, 2018), filme com Olivia Colman, Emma Stone e Rachel Weisz (também presente em O Lagosta), que pretendo ver em breve.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Western (2017)


Existem muitos filmes bons sendo feitos em lugares mais distantes. Filmes que infelizmente não chegam aos cinemas comerciais e, infelizmente, pouco são exibidos no circuito alternativo. Um desses filmes é Western, da diretora Valeska Grisebach. O longa explora a complexidade do relacionamento humano diante de choques de cultura, costumes e idioma.

Um grupo de trabalhadores alemães chegam a Bulgária para construir uma hidrelétrica. Nesse projeto eles encontram três problemas. O primeiro é o cascalho necessário para o concreto que nao fora entregue. Também existe um conflito com moradores de uma vila que fica entre eles e a fronteira com a Grécia e, por fim, o racionamento de água, já que o poço mais próximos é usado por três vilas.

Com o trabalho parado devido a falta de água e cascalho, Meinhard (Meinhard Neumann) vai até a vila para passar o tempo e explorar esse lugar desconhecido. Seu jeito pacato e de poucas palavras vai conquistando a confiança dos moradores e logo se torna amigo de boas parte deles.

Ao contrário dele, Vicent (Reinhardt Wetrek), responsável pela obra da hidrelétrica, só quer terminar logo seu trabalho e voltar para a Alemanha. Seu jeito grosseiro acaba causando conflito com os moradores, logo antes de os conhecerem. Além de implicar com algumas mulheres da vila, uma de suas "empreitadas" é roubar a água das outras vilas para que seu trabalho seja finalizado rapidamente.

Outro personagem importante é Adrian (Syuleyman Alilov Letifov), um búlgaro que, através de uma nova amizade, transforma Meinhard em seu segurança pessoal. Ele faz a intermediação entre os trabalhadores e os moradores da vila, sempre procurando ajudar Meinhard, do qual vira um grande amigo.

Além desses desentendimento entre o alemães e os moradores locais, a história permeia na solidão irremediável vivida pelos personagens. Meinhard consegue reverter essa situação por um tempo, consegue um cavalo com o qual desenvolve uma grande afinidade. É chamado de "legionário", por causa de sua façanhas na guerra que não fica claro se existiu ou não, por moradores, o que garante certa intimidade. Mas quando tudo começa a desmoronar, ele deixa tudo de lado e embala nos ritmos bulgaros.

O diálogo ineficiente causado pela diferença do idioma e compensado com gestos e a vontade de ter alguém com quem conversar, contar histórias. O filme de Grisebach segue, de maneira positiva, aos trancos e barrancos, assim os personagens vão se entendendo e a história vai se desenrolando, como um ensaio da vontade humana.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Boi Neon (2015)


Em 2015, Boi Neon fez barulho. O filme, escrito e dirigido por Gabriel Mascaro, narra a história de Iremar, um rapaz que trabalha nas vaquejadas, mas almeja trabalhar na indústria têxtil, como estilista. 

Iremar (uma excelente atuação de Juliano Cazarré) é responsável por preparar os bois para a vaquejada, mas em seu tempo livre trabalha no seu sonho, criar modelos de roupas. Sua vida é percorrer por Pernambuco, de evento em evento, é uma vida dura, mas o sonho é grande.

O grupo de atores é pequeno, mas representativo. Além de Cazarré, temos Maeve Jinkings (como Galega), Carlos Pessoa (Zé) para dar o tom de comédia, que quebra a monotonia da vida dos personagens, em um cinema com pessoas mais descontraídas vai ser comum ouvir gargalhadas quando ele estiver em cena. Personagens também importantes são Vinícius de Oliveira (Júnior) e Alyne Santana (Cacá), que dão mais pluralidade ao elenco.

Cada personagem mostra a ousadia de Gabriel Mascaro. Não é só Iremar que foge do senso comum. Galega é uma mulher forte, motorista e mecânica de seu caminhão. A pequena Cacá é a criança que precisa crescer nesse cenário rigoroso, sempre sonhando em ter um cavalo, mas com poucas possibilidades disso acontecer. Já Júnior, mostra a vaidade de um homem, mesmo ali naquele ambiente tão rústico. A interação entre eles mostra a diversidade que quebra paradigmas, fazendo com que cada personagem seja rico em sua própria história.

A fotografia, de Diego Garcia, estabelece uma estética crua, que explora a beleza árida do nordeste de maneira singular. Embora muito bonito, o cenário não promete nenhuma melhora aos personagens e cada cena limitada dentro da caçamba do caminhão, levanta a questão se o Boi Neon é aquele que aparece uma única vez na vaquejada, ou Iremar, que não leva uma vida tão diferente do animal.

O filme tem lá seus problemas, embora nada tão grave. Algumas cenas se estendem além do necessário, nada que influencie positivo ou negativamente a história, mas se torna cansativo. Algumas dessas cenas poderia ser mais trabalhadas, usando mais recursos filmicos, para que mesmo pesada, ficasse mais impactante.

Mas, como eu disse, isso não atrapalha a história de Gabriel Mascaro, que através de Boi Neon quebra arquétipos e, com bastante ousadia, nos apresente uma produção singular no mercado cinematográfico brasileiro.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Enclave (Enklava, 2015)



Vencedor do Festival Internacional de Cinema Avanca de 2016 (Portugal) e escolhido para representar a Sérvia no Oscar de Filme Estrangeiro, Enclave é escrito e dirigido pelo sérvio Goran Radovanovic. O filme explora a situação de um enclave (território com distinções políticas dentro dos limites de um outro território) Sérvio na Polônia. O diretor procura mostrar os resquícios de uma guerra política que atinge pessoas que não escolheram participar delas, tão pouco entendem seus motivos.

Com apenas 10 anos, Nenad precisa ir a escola em um carro blindado do exército. Esse é o resultado do Guerra do Kosovo, conflito entre as forças sérvias, iugoslavas e Exército de Libertação de Kosovo. Mesmo cinco anos após o fim do confronto, Nenad e sua família precisam lidar com os fragmentos que não foram esquecidos. Só que ele queria era um amigo para brincar, mas acaba entrando em uma aventura na linha inimiga para que seu avô consiga um enterro decente.

O apelo de Radovanovic é mostrar o estado das coisas através dos olhos de uma criança. Nesse caso, temos uma surpresa com a atuação de Filip Subaric (Nenad), embora jovem, ele consegue transmitir toda a aflição causada pelos problemas que sobraram da guerra. Outra brilhante atuação é a de Denis Muric, o possível antagonista Baskim. Seu olhar duro mostra a transformação que uma criança pode ter devido a tantos problemas. Muric pode ser uma grande promessa para o cinema, vale a pena acompanhar sua trajetória.

Outro ponto interessante do filme é a fotografia, do alemão Axel Schneppat. A câmera sempre a espreita, mostrando os personagens agindo de maneira contida, sempre com um cenário rico em beleza, mas pobre em outros aspectos. Embalando cada cena, segue uma trilha sonora notável, dando uma maior imersão ao filme.

No fim a produção fica um pouco confusa, com um jogo de cenas que misturam o presente e o passado, relatando uma amizade improvável. Talvez o final não alcance a expectativa, ainda assim toda a trajetória de Nenad nos mostra um pouco da situação de pessoas que vivem em uma certa marginalidade, o que nos faz pensar na situação de muitas pessoas, estejam elas na Sérvia, ou em qualquer outro lugar.