segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Legalize Já - A Amizade Nunca Morre (2017)


Os anos 90 marcanram o cenário musical brasileiro. Enquanto o manguebeat ganhava a cena em Recife (isso pode ser visto em Lama dos Dias, minisérie produzida pelo Canal Brasil) e o rock crescia em São Paulo, seguindo os passos de bandas como Titãs, Capital Inicial e Paralamas (leia sobre isso na analise do doc Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94), no Rio de Janeiro começava um novo movimento que consagrou umas das bandas mais icônicas da década. Legaliza Já - A Amizade Nunca Morre, dirigido por Gustavo Bonafé e e co-dirigido por Johnny Araújo, nos mostra as origens da Planet Hemp, banda que se formou a partir da necessidade de brigar contra o sistema.

Tudo começa quando Skunk (Ícaro Silva) esbarra com Marcelo (Renato Góes) em uma rua no Catete, ambos correndo da polícia. Com seus pertences trocados por destino ou acaso, acabam por descobrir o artista que existe em cada um. Discutindo temas que envolvem música, desigualdade, preconceito, aborto e aids, eles embarcam em uma aventura que, acima de tudo, demonstra a cumplicidade dos dois. A banda foi ganhando forma com a entrada de Formigão (baixo), Rafael Crespo (guitarra) e Bacalhau (bateria). Com um som diferente e agora como Planet Hemp, a dupla começou a ganhar os palcos do Rio de Janeiro.

O filme levou 9 anos para ser concluido. Tendo também como roteirista o próprio Marcelo D2, vemos com bastante autenticidade o que acontecia antes que ele atingisse a fama que carrega até hoje. A atuação de Ícaro Silva (Skunk) merece destaque, sabendo transpassar tudo que seu personagens sente, que permeia entre indignação e fragilidade, é a melhor atuação da produção. As histórias paralelas estão presente para montar o universo em que Skunk e Marcelo vivem. Vivendo como seres marginais, buscam em suas músicas a representatividade que não encontraram em nenhum outro lugar, e que ainda hoje não é encontrada por muitos.

Legalize Já não é só uma produção cinematográfica, é uma crítica social que nos leva além da visão superficial que nos é mostrada no dia a dia. E ainda, uma forte amizade que rompe barreiras e supera qualquer adversidade, terminando de forma trágica, mas que parecece mesmo nunca morrer. Para mim ainda ficou uma lição: quando Marcelo e Skunk discutem, um amigo questiona sobre a vontade do sistema, de colocar um contra o outro, dividir e conquistar. Acredito que estamos em um momento em que precisamos de um amigo em comum que também chame nossa atenção.

sábado, 27 de outubro de 2018

Amantes na Fronteira (2018)


MOSTRA SP - Em uma mistura luso - japonesa, o diretor Atsushi Funahashi monta uma história que, além das fronteiras, ultrapassa séculos e brinca com o destino de seus personagens. Amantes na Fronteira conta conta duas histórias movidas por sentimentos intensos que vai do amor incondicional ao sentimento aturdido de vingança.

A primeira história se passa no século XVIII. Uma jovem portuguesa é admitida como empregada em um casarão após seus pais serem mortos em um terremoto que destruiu uma parte de Porto. O dono do casarão retorna de sua viagem a Índia e traz consigo dois japoneses, logo a jovem se apaixona por um deles. Já em 2020 os mesmo atores vivem uma história semelhante, adaptada à modernidade. Agora o cenário é um Japão devastado por um tsunami e enfrentando uma crise econômica.

Antes da sessão começar uma das organizadoras leu uma mensagem do diretor, que deveria estar presente, mas por algum motivo que desconheço se encontrava no Japão. Na mensagem ele fala sobre suas intenções ao fazer o filme. Uma questão mais política que romântica, que dada a mensagem, fica fácil de perceber.

O filme conta com três atores que protagonizam as duas histórias. A atuação de Ana Moreira é excelente, ela vai do amor a loucura de forma tão natural que nos atrai. Os outros dois são Yûta Nakano e Tasuku Emoto, que formam seus pares em cada época. Recontar a mesma história, mesmo que com alguns aspectos diferentes, é uma grande risco, as vezes o filme se torna monótono demais. Mas quando as referências aparecem o espectador ganha novo ânimo. Acredito que o desafio é saber quando isso deve acontecer e, nesse caso, Atsushi Funahashi acertou.

A maneira como a época é ambientada também é boa. Fazer um filme de época não consiste apenas no figurino, tem todo o trabalho com os atores e cenário. Já em 2020, Ana Moreira assume um novo visual, que na hora me remete o cinema americano. Outra coisa que gostei foi a exploração do fado, estilo musical português. A letra que se repete diversas vezes conta mais do que vemos sobre o filme.

Não tem como esconder que, algumas vezes, Amantes na Fronteira se torna cansativo. Mas também devo dizer que vale a pena assistí-lo até o final, que surpreende. E talvez é ali, perto do final, que vi uma das melhores referências entre as duas histórias, fazendo os momentos de monotonia terem válido a pena.

Em Chamas (Buh-Ning, 2018)


MOSTRA SP - Parece que produções audiovisuais orientais estão ganhando um novo fôlego. Isso vai muito além da febre do k-pop, temos Kore-eda fazendo um cinema sensacional no Japão, e a Coréia (hora no sul, hora no norte) chamando bastante atenção com seus filmes e séries. Um desses filmes é Em Chamas, filme do diretor e roteirista Lee Chang-Dong, que aposta nas suposições do espectador em mais de duas horas de filme.

Jong-soo (Yoo Ah-In) é um sujeito simples que trabalha como entregador. Em um dia comum ele encontra Hae-mi (Jeon Jong-seo), uma amiga de infância que a muito não via. Essa reaparição promete quebrar a monotonia de sua vida, isso e a necessidade de voltar a casa de seu pai para resolver um grande problema. Depois dessa reaproximação de Hae-mi surge um novo personagem, Ben (Steven Yeun). Com um triângulo amoroso formado, Chang-Dong nos leva a explorar aspectos sociais e econômicos que fazem parte do dia a dia da Coréia do Sul.

Esses problemas mostram a diferença entre o cidadão pobre, que aos poucos consegue sobreviver, e o muito rico, que esbanja uma falsa modéstia perante aos menos favorecidos. Mas o filme deixa essa visão romântica de lado quando um crime é exposto. Quando Ben fala sobre o seu hobby para Jong-soo. É aí que percebemos como Chang-Dong trabalha com o imaginário de seus espectadores. A todo momento nos é dado pistas para desvendar mistérios, como quebra-cabeças que precisam ser resolvidos. Mas qual escolha tomar? Qual é o resultado certo? Isso nunca saberemos, pois a solução fica no ar, em aberto para que, assim como aconteceu comigo, dias depois ainda fiquemos com aquela pergunta na cabeça: o que será que aconteceu ali?

Em Chamas foi um filme que me surpreendeu. A proposta inicial de um garoto que encontra uma garota de sua infância e logo depois se envolve em um triângulo amoroso seria um daqueles clichês chatos de se ver. Mas Lee Chang-Dong trabalha de maneira singular, fazendo seu filme fugir do lugar comum, e isso é muito bom.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

A Voz do Silêncio (2018)


MOSTRA SP - O diretor André Ristum traz uma proposta simples em A Voz do Silêncio. Tendo como cenário a cidade de São Paulo, explorando toda sua forma caótica, vemos toda a solidão que uma cidade grande pode impor a seus habitantes. A família de Ristum foi amiga de Glauber Rocha e durante um tempo ele próprio trabalhou com Bertolucci, mas ainda assim seu filme traz um estética sua, se arriscando para mostrar a intensidade de seus personagens em cada cena.

A Voz do Silêncio conta a história de personagens que vivem a margem da cidade. Existe ali o desesperado causado pelo imediatismo, a monotonia e as dificuldades financeiras de quem luta para sobreviver em um ambiente de oportunidades limitadas, não adianta a vontade. Uma hora ou outra os personagens acabam se encontrando, como uma teia que coloca todos eles no "mesmo barco". Esse barco oscila, mas não afunda, entre tantas desventuras eles vão descobrindo suas dificuldades, reconhecendo seus defeitos e procurando supera-los, ou ao menos conviver em harmonia com eles.

Embora seu tempo em cena seja curto, ver Marieta Severo na tela é um atração a mais. Embora não detenha todo o protagonismo que certamente merecia, assume seu papel como pouco saberiam fazer. Pode ser que apareça pouco, mas sempre que isso acontece, ela deixa marcado em nossas cabeças toda a excentricidade de sua personagem, uma senhora que depois de se perder em meio a corriqueira São Paulo, se perde dentro de sua própria cabeça.

Gostei de A Voz do Silêncio. O proposta do filme é simples, mas explorada com uma dramaticidade tão intensa que ao final, em uma plano sequência de mestre, já não estamos esperando o fechamento de tantas histórias. Ficaríamos ali, sentados na cadeira do cinema por mais algumas horas, apreciando a monotonia que se encaixa no nosso dia a dia com tanta facilidade. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Guerra Fria (Zimna Wojna, 2018)


MOSTRA SP - Sempre que o assunto é Guerra Fria, o primeiro filme que me vem a cabeça é A Cortina de Ferro (The Iron Curtain, William Wellman, 1948). O mote é aquele clássico jogo de espionagem encontrado em filmes que seguem essa história. Mas o diretor e roteirista Pawel Pawlikowski muda esse conceito e constrói em Guerra Fria, um romance capaz de resistir as atrocidades sociais de uma guerra que nunca acabou.

No filme, o músico polonês Wiktor (Tomasz Kot) busca novos talentos de seu país para representar músicas do campo. Um desses talentos é Zula (Joanna Kulig), jovem aspirante a cantora e nova paixão de Wiktor. Então o filme segue durante quinze anos de encontros e desencontros dos personagens, com um leve panorama da Guerra Fria na década de 1960.

A estética do filme é interessante. Todo em preto e branco e a tela em 4:3 ao invés do widescreen. Em 2015 o diretor já havia trabalhado com algo do tipo, em Ida, filme que lhe rendeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Mas o que mais me chamou a atenção é como ele usa a música, que é parte central do filme, para contar a passagem do tempo. E em cada cena, por hora enquadrando um personagem e, em outros momentos, mostrando a sua solidão em meio a tanta gente, a direção de Pawlikowski beira a perfeição.

Embora Guerra Fria não demonstre muito todo o conflito que acontecia fora do relacionamento dos protagonista, há ali algumas abordagens stalinistas e repressivas. Diante de um romance que também parece com a guerra que corre mundo afora, caminhamos por cenários depressivos, mas de uma estética admirável.

domingo, 21 de outubro de 2018

Assunto de Família (Manbiki Kazoku, 2018)


MOSTRA SP - Vencer a Palma de Ouro é sinônimo de excelência para um filme. E esse é o novo feito do diretor Hirokazu Kore-eda, que através de sua nova produção explora o sentido do que é ser uma família e seus componentes. Assunto de Família traz uma história empática, onde acabamos por concordar com os personagens, estando eles certos ou não.

O filme começa com Osamu Shibata (Lily Franky) e Shota Shibata (Jyo Kairi) roubando um supermercado. De acordo com o pai, Osamu, o que está no supermercado não tem dono, já na opinião da mãe, Nabuyo Shibata (Sakura Ando), "se a loja não falir, está tudo bem". Mas na apertada casa entre prédios, vemos uma família peculiar, que na verdade não é bem uma família na qual nascemos, mas um onde os membros escolheram participar.

A chegada de Juri (Mayu Matsuoka) reforça essa ideia desconcertante que Kore-eda apresenta sobre família. A garota é encontrada no frio em frente a sua casa, Osamu e Shota decidem levá-la para comer algo e quando finalmente levam de volta para casa, percebem que ali não é o lugar onde uma criança deveria viver, então a "sequestram".

A distorção que esses personagens fazem do que chamamos de senso comum é um ponto de interesse. Além das justificativas já mencionadas sobre roubo, ainda acreditam que o que fizeram não é um sequestro, já que não estão pedindo resgate e nós, meros espectadores, aceitamos e apoiamos eles.

O grande destaque é a delicadeza com que Kore-eda conduz sua história. Relações familiares sempre foram recorrentes em suas produções, mas o que foi feito em Assunto de Família é diferente, é como se ele tivesse alcançado um novo patamar, onde seus filmes são mais intimistas, transformando o longa em uma verdadeira obra de arte.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A Ex-mulher (Qian Qi, 2009)


Eu tentei por dois dias. Fiz tudo o que podia. Mas não encontrei o cartaz original do filme. O jeito foi optar pelo cartaz da Mostra de Cinema Chinês, que chega em sua quarta edição. O pouco que vocês podem ver de A Ex-mulher está na quinta imagem, mais que isso acredito que só no cinema. Embora seja de difícil acesso, o filme de Qiao Liang (ou Liang Qiao, dependendo de onde você procurar) tem grandes méritos, que vai desde o uso dos elementos presentes no cenário, até a construção dos personagens.

É difícil achar qualquer material sobre o filme (não encontrei informações nem mesmo em sites como o IMDB), mas como assisti ao filme durante a Mostra, vou tentar dar uma sinopse sem muitos spoilers.

Ding é um jornaleiro divorciado e vive com sua nova mulher em uma casa bem simples. Mas quando sua ex-mulher, com quem ele tem um filho, é diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ele precisa ajudá-la. Quando a doença atinge um estágio avançado, Ding a recebe em sua casa e agora precisa lidar com sua ex-mulher e sua mulher atual morando embaixo do mesmo teto.

São muitos elementos que fazem de A Ex-mulher um bom filme. A começar pelos cenários. Usando na maior parte do tempo cenários interiores, Qiao Liang nos dá proximidade e essa aproximação nos faz interagir com os personagens através de expressões e gestos. Os personagens são construídos com suas particularidades. Qiao Liang explora todas elas, fazendo com que todos eles ganhe destaque. Cada indivíduo lida com a doença de uma forma diferente, temos quatro pontos de vista diferentes, desde a criança até a ex-mulher.

Segundo Qiao Liang (que participou de um bate papo após a sessão), a história de A Ex-mulher é baseada em um história real e o ELA está mais presente do que imaginamos na China. Encontramos um misto de emoções que vão ditando o ritmo do filme através de pessoas comuns, e até bem simples, que precisam se unir por algo maior que elas.

histstá aproveitando a Mostra de Cinema Chinês não tem do que reclamar, em apenas dez dias ela apresenta, além de A Ex-mulher, filmes bons e que dificilmente encontrarmos por aqui. Esse curto período de exibição não me permitiu assistir nenhum outro filme, mas A Ex-mulher garantiu minha presença na próxima edição.