quinta-feira, 27 de junho de 2019

Democracia em Vertigem (2019)


Acredito que uma das coisas mais importantes que aprendi enquanto estudava jornalismo foi sempre olhar os dois lados da moeda e o quanto eles vão parecer corretos aos olhos de quem diz. A imparcialidade é algo impossível de existir.  A partir do momento em que começamos a aprender, já adquirimos bagagem cultural e nos tornamos parciais. Mas é importante abrir os olhos para os dois lados e dar devida atenção a eles. Esse estudo se fez importante para assistir Democracia em Vertigem, novo documentário de Petra Costa, que já havia feito um excelente trabalho em Elena (2012) e Olmo e a Gaivota (2014).

A exclusividade de Democracia em Vertigem vem das experiências pessoais de Petra Costa, filha de pais militantes, a vida política já veio atrelada a ela. Recortes dessa vida são colocados em cena, como ela diz, a democracia brasileira e ela têm quase a mesma idade. Passando pela construção de Brasília, ditadura militar e finalmente a conquista da democracia, a diretora faz observações interessantes sobre o trajeto do PT, da criação do partido até os problemas que enfrenta hoje.

Se Democracia em Vertigem é partidário? Claro que sim. Petra usa o cinema como forma de expressar seus ideais, como deveria ser. Mas ela também é justa. Entende que nem tudo que o PT fez foi correto, defende o partido de acordo com sua vontade de um país melhor, mas não esquece de apontar os erros cometidos por seus integrantes. Confesso que me surpreendi quando ela comenta que Lula começou a fazer tudo aquilo que dizia ser contra após sua reeleição.

Democracia em Vertigem é um filme que todos deveriam assistir, independente da opinião política. O documentário não é apenas um manifesto partidário, como muitos apontam, mas a história da democracia brasileira, da luta para sua conquista e o declínio em que se encontra. Petra Costa faz observações interessantes, nada lhe passa despercebido. Talvez seja dessa visão que precisamos para entender um pouco melhor o que vem acontecendo, basta assistí-lo com disposição para entender o que a diretora quer dizer.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, 2006)


Se analisarmos a situação de muitos países podemos ver que todos estão em uma espécie de guerra. E, senão todos, alguns trazem em comum um período em que viveram diante do regime ditatorial. A Vida dos Outros, escrito e dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck, nos mostra uma verdade ludibriada por esses sistemas, nos mostra que o conflito armado não é o maior medo para generais, coronéis ou capitães, mas sim o uso da palavra, que amplia ideias e ideais e incentiva o questionamento de tudo o que é imposto.

Donnersmarck trabalha com dois lados do conflito bem e mal durante o período em que a Stasi (a polícia secreta da Alemanha Oriental) vigiava seus artistas. De um lado temos o casal Georg Dreyman (Sebastian Koch) e Christa-Maria Sieland, ele diretor de teatro, ela atriz. Ambos vivem alheio aos acontecimentos políticos do país, até que uma reviravolta os colocam como principais arquitetos do declínio que está prestes a acontecer. Do outro lado, o mais surpreendente, o "camarada" Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), agente rigoroso da Stasi que se encarrega da vigia sobre o casal. Sua transformação é muito maior e começa depois que Dreyman toca Sonata de Um Homem Bom, a partir daquele momento o agente se questiona se o que está fazendo é certo ou errado.

Essas duas transformações são expostas lentamente, em cenas com poucos diálogos sobre o assunto, deixando muita coisa por conta do espectador. Mas isso não foi uma opção ruim tomada pelo diretor alemão, dando liberdade a quem acompanha a história, nos deixa com o mesmo sentimento de descoberta provado pelos personagens. Depois de Sonata de Um Homem Bom vemos a tensão nas decisões, uma batalha psicológica que busca discernir o certo e o errado diante da realidade em que se encontram, deixa o filme cada vez mais intenso. Uma intensidade que nos convida a entrar naquele momento idealizado por Donnersmarck, onde precisamos decidir o que é certo ou errado, quer eles existam ou não.

O mais interessante em A Vida dos Outros é como a história se mistura com a ficção. Nada é tão simples e apegado a clichês. Embora o acidente, que serve como uma premissa do fim, pareça a solução mais fácil para começar o último arco, é na verdade algo premeditado e ainda assim não podíamos esperar por algo daquele tipo. O trabalho de Donnersmarck é excelente, a sequência de cenas é uma coisa linda de se ver. A única coisa da qual me arrependo é ter demorado tanto para assistí-lo.

sábado, 22 de junho de 2019

Glauber o Filme, Labirinto do Brasil (2003)


Como começar a falar de uma pessoa tão polêmica como foi o Mestre Glauber Rocha? Como apresentá-lo para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de ver seu trabalho? Sempre penso nisso quando entro em uma discussão sobre o cinema nacional. O diretor Silvio Tendler traz as respostas com o documentário Glauber o Filme, Labirinto do Brasil, que decorre com toda a excentricidade do diretor e depoimentos emocionantes de quem esteve ao seu lado durante toda sua carreira.

Existem muitas coisas escritas sobre Glauber Rocha (para quem estiver disposto indico A Primavera do Dragão, de Nelson Motta, e Glauber - O Leão de Veneza, de Pedro Del Pichia e Virginia Murano). Mas nada melhor que um documentário, que mesmo curto (com cerca de 90 minutos), revela muito de um cineasta amado e odiado em proporções semelhantes. Outra coisa boa desse documentário é ver pessoas que trabalharam com Glauber em depoimentos engraçados e emocionantes. Nomes como Darcy Ribeiro, Hugo Carvana, João Ubaldo Ribeiro, Cacá Diegues, Manduka e Jards Macalé prestam sua homenagem.

A importância de Glauber Rocha para o Brasil é vista logo no inicio do doc. Seu velório e enterro reúnem uma grande quantidade de amigos, familiares e fãs no Parque Lage e na Igreja São João Batista, no Rio de Janeiro. O ano era 1981, mas ainda quando Tendler entrevistava alguns dos personagens para o documentário, podia-se ver uma emoção presa na garganta, emoção que enche os olhos e tira a voz de Macalé em dado momento. Vê-se que esse era o Mestre Glauber, um personagem excêntrico, claro, mas inesquecível.

Com tanta controvérsia e "viagens", mesmo através de depoimentos é difícil de entender Glauber. Mas fica a certeza de que ele entendia sobre tudo o que falava e quando qualquer um que o ouvisse se colocasse a pensar, lhe daria total razão. Glauber o Filme, Labirinto do Brasil se mostra forte em seu papel emocional, mas Tendler peca nas transições entre um tema e outro, com uma computação gráfica feia e que foge da estética do documentário. Fora isso, temos presente a música clássica adorada por Glauber e toda a sua excentricidade, o que já vale muito a pena ver.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969)


No dia em que se comemora o Cinema Nacional, a Cinemateca Brasileira exibiu um dos filmes mais icônico do país: O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha, que também completou 50 anos de existência. O filme rendeu a Glauber o prêmio de Melhor Diretor em Cannes e é visto por muitos como a melhor obra de sua filmografia.

O filme até parece uma sequência de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de onde nasceu Antônio das Mortes (Maurício do Valle). Na história, Antônio está de volta para enfrentar um novo cangaceiro, depois de matar Lampião e Corisco, seu novo adversário é Coirana, interpretado por Lorival Pariz. É difícil decidir qual dos dois lados atua como antagonista. Enquanto Antônio das Mortes defende uma vila a contrato dos ricos da cidade, Coirana busca comida e paz para o seu povo. Todo esse questionamento é contado em alegoria, que mistura muito da cultura nordestina (como o cordel e o folclore) e a ópera que Glauber tanto gostava. 

E questionamentos não faltam. Glauber tinha essa necessidade de mostrar para o mundo o valor da cultura brasileira, em especial a nordestina (um pouco disso pode ser visto no livro 'A Primavera do Dragão', de Nelson Motta), e isso notamos logo no começo, quando um professor ensina algumas crianças as datas importantes do país. No fim da lição ele relembra o ano em que Lampião morreu, 1938, dando ao fato o mesmo valor de outras comemorações. E seu partidarismo político, questionando a reforma agrária, que prometia melhoras para o país. Mas tendo como foco a aridez do sertão nordestino, essa parecia uma ideia distante, que não atingiria o povo tão carente defendido por Coirana.

O decorrer de toda a história trata da luta do povo contra um sistema que o exclui do que deveria ser seu por direito. Nisso vemos que essa luta se auto recicla, com a morte de Lampião, surge Coirana, que quando é morto, é substituído por seu próprio executor, Antônio das Mortes. A mensagem explícita pode ser de que a luta do povo nunca morre, mas visto mais a fundo, não importa quantos coronéis e capitães apareçam, enquanto houver desigualdade e sofrimento, novos cangaceiros surgirão em busca da dignidade merecida de qualquer ser humano. Já havia assistido  Já havia assistido Deus e o Diabo...e Terra em Transe (1967) na tela grande e lamentava ter perdido O Dragão da Maldade quando tive chance, mas agora que o assisti, só queria que esses filmes fossem exibidos mais vezes nos cinemas, além de seu valor histórico, sua importância social ainda é tão relevante quanto na década de 1960.