quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Pureza (2019)


 Festival de Vitória - Ainda em 2020, escravidão ainda pode ser um assunto delicado. Quando, em 1888, a Lei Áurea foi assinada pela então princesa Isabel e por Rodrigo Augusto da Silva, a ideia era que esse problema sociocultural fosse deixado para trás, mas é claro que isso não aconteceu. Quando digo que é um assunto delicado é porque muitos ainda vivem o trabalho análogo à escravidão, talvez disfarçado com outro nome ou cara, ou então escondidos na profundezas dessa terra que as vezes é de ninguém, mas sem nunca se extinguir.


O diretor Renato Barbieri se apoia em uma história real para nos trazer Pureza, filme que volta ao tempo do Plano Real e mostra o quão retrógrado era o país que visava a evolução. Pureza, a personagem, é uma mãe guerreira que em busca por seu filho enfrenta todo um sistema exploratório da população mais necessitada, sistema que vai desde um jagunço a colarinhos do senado. 


Porém, os fatos pouco ajudam na originalidade da história. Barbieri perde muito do crível adicionando uma dose desconexa de drama nas cenas que precisaram ser inventadas. O que chama mais atenção é a atuação de Dira Paes, que brilha em cada cena. Com um roteiro cheio de clichês, a atuação de Paes se mostra necessária para que a narrativa seja atraente do início ao fim. Não que a produção seja ruim, na verdade é bem feita e a fotografia aproveita muito bem o interior da floresta amazônica, mas o potencial que a vida de Pureza poderia ter dado ao filme é bem maior. 


Sobre Pureza, posso dizer que estou encantado com Dira Paes e, se não necessário, o filme tem um papel importante para chamar a atenção ao trabalho análogo à escravidão, que nunca deixou de existir. O Festival de Vitória está apenas no começo para dizer qual filme será escolhido por júri e público, mas certamente Dira Paes garantiu alguns votos para o filme de Barbieri.

sábado, 8 de agosto de 2020

Los Modernos (2016)


Uma discussão sobre a modernidade pode ser bem complexa, ainda em um filme onde a subjetividade é amplamente discutida. Mas foi o risco que a dupla de diretores e roteiristas Mauro Sarser e Marcela Matta decidiram correr em Los Modernos e, garanto, não poderiam ter chegado a melhores resultados. O filme uruguaio traz uma série de questionamentos sobre relacionamento, buscando diversas situações mesmo com poucos personagens, que, quero observar, atuam perfeitamente.


Fausto (o próprio Mauro Sarser) é um editor freelance que deseja viver o lado bom da vida. Clara, sua namorada, é mãe de dois filhos e precisa administrar seu tempo entre eles, seu trabalho e seu namoro. Já Martín, melhor amigo de Fausto, é um recém casado que, ao contrário de sua mulher, deseja deixar as coisas de casais um pouco de lado e focar sua carreira profissional. Resumidamente, podemos dizer que o filme gira em torno de escolhas que os personagens precisam fazer: a paternidade, o sucesso profissional e a vida sexual.


Mas nada é tão simples assim. Muitas vezes devido ao seu egocentrismo, Fausto tem dificuldades em conversar com outras pessoas, porém, é a partir disso que ele conhece Fernanda, uma jovem atriz e dramaturga por quem se apaixona. Essa paixão muda completamente sua vida, já que as responsabilidades da nova pretendente são bem diferentes as de Clara. Mas em uma narrativa cheia de reviravoltas, nenhum romance é completo ou definitivo. 


Los Modernos explora o comportamento e os relacionamentos daqueles que ainda estão no começo da vida adulta. Tendo como foco o amadurecimento e o auto conhecimento, boa parte do longa mostra aos personagens os desafios de um relacionamento moderno, com idas e vindas, que sempre chegam ao seu ápice quando a paternidade/maternidade entra em discussão. Sendo essa questão, uma forma da dupla de diretores mostrarem o desenvolvimento do relacionamento de cada casal.


Sarser e Matta mostram uma variedade de relações e como é possível, mesmo com um tropeço ou outro, que qualquer delas dêem certo. E levando em consideração a procura do amor verdadeiro, talvez seja isso o que os personagens conquistem, embora não seja aquele amor juvenil, ardente, mas um amor sincero e maduro.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Joana D'arc Egípcia (Egyptian Jeanne D'arc, 2016)

 

Mostra de Cinema Egípcio - O quanto é possível descobrir sobre uma pessoa lendo seu diário? Em Joana D'arc Egípcia, é possível dizer que muito mais do que muitos que a conheceram e fizeram parte de sua vida pessoal. O documentário da diretora Iman Kamel levanta suspeitas, com uma narração em inglês até parece que será algo genérico diante da cultura e do social do Egito, mas logo entendemos a necessidade da opção linguística, é o alcance que a história de Jeanne precisa ter. Por sua vez, Jeanne se trata de uma beduína que procura, através das artes visuais, transcender e encontrar seu lugar em meio a revolução egípcia no início dos novos anos 2010.


Jeanne deixou sua tribo em busca de novas descobertas. Sua paixão era a dança e através dela conheceu pessoas, momentos e formas de expressão que outrora não seria capaz. Além do diário, Kamel conta essa história através de entrevistas com nomes que estão presentes no que é descrito por Jeanne. São mulheres que passaram e marcaram sua vida, a maioria estando ao seu lado na revolução de 2011. Nisso, é interessante ver o desenvolvimento dessas mulheres e a importância daquilo que fizeram na revolução. 


Muitas vezes o que é descrito no diário parece poesia. E é uma das passagens mais bonitas que nos deixam desolados. Jeanne é presa em 2011, na prisão, assim como aconteceu no Brasil a partir dos anos 1960, ela foi torturada e abusada física e psicologicamente, porém, seu espírito não foi quebrado. Mesmo diantes de uma situação tão aterradora, é bonito ver como ela aparentemente segue em frente, sempre buscando refúgio na arte, no seu caso, na dança.


Além dessa biografia de Jeanne, muito bem dirigida por Kamel, Joana D'arc Egípcia nos mostra o poder do feminismo em uma sociedade tão conservadora. Como está sendo possível ver em outros filmes da mostra, as mulher egípcia vive uma época de transição, que é demorada, mas está acontecendo. Com tantas mulheres (peço licença a palavra) empoderadas em um único filme, percebemos que aquilo que fizeram há 9 anos foi de extrema importância para que essa mudança no comportamento social acontecesse. Este é um documentário que deveria atravessar continentes e espero que a cada dia chegue a mais e mais pessoas.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Pó de Diamante (Diamond Dust, 2018)

Mostra de Cinema Egípcio - Parece que muito do cinema egípcio contemporâneo gira em torno de problemas políticos e sociais. Embora não seja o tema que tome conta de Pó de Diamante, filme do diretor Marwan Hamed, podemos dizer que são o ponto de ignição que motiva os acontecimentos que se sucedem na narrativa. Sendo esse acontecimentos algo inimaginável até que a trama nos é entregue, levando a tona cenas e diálogos que até então não faziam sentido algum.


Taha trabalha em uma farmácia próximo a sua casa. Parte do seu tempo é dedicado ao trabalho, enquanto a outra parte é voltada a seu pai, que é cadeirante. Todo o processo traz um amargor a sua vida, o pai que perdeu o movimento das pernas devido a um erro médico, o abandono da mãe que não suportou a situação do pai e, como um ápice que desencadeia todos o momento que seguirão, um brutamontes local que vive o atormentando em seu trabalho. 


Até aí Hamed nos envolve em um filme policial à noir dos anos 1960, alheio a todo o mistério guardado para os minutos seguintes. Quando o pai de Taha é assassinado, a suspeitas recaem sobre brutamontes que ele já havia denunciado a polícia. Mas então surge o mistério e entendemos porque o filme se chama Pó de Diamante. Além da vingança pelo assassinato, Taha entra em um universo criado por seu pai, onde um homicídio é justificado de acordo com seu discernimento do certo e do errado.


Mas voltando ao início do texto, esse universo foi criado quando o pai era ainda uma criança. Tendo perdido seus pais decorrente aos conflitos armadas que o Egito vivia, ele foi criado por um tio e adquiriu um patriotismo interessante, já que sua origem era judia. Vendo seu tio sinalizando aos aviões inimigos onde eles deveriam atacar, ele foi motivado ao primeiro assassinato, utilizando o pó de diamante, como ensinado pelo próprio tio. Esse e outros homicídios, assim como toda sua vida, está descrito com detalhes em um diário encontrado por Taha após sua morte.


Pó de Diamante é mais uma surpresa do cinema egípcio contemporâneo, o que me deixa a dúvida dos motivos que os impedem de ganhar asas e voar mundo à fora. O trabalho de Marwan Hamed é primoroso, apoiado por uma excelente fotografia e um conjunto de elenco que faz a diferença. Espero continuar tendo novas e boas surpresas nessa mostra preparada pelo CCBB e já anseio pela próxima edição.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Fotocópia (Photocopy, 2017)


Mostra de Cinema Egípcio - Podemos dizer que Fotocópia é um filme de sutilezas. Escrito por Haitham Dabbour e dirigido por Tamer Ashry, o longa aborda um tema pouco explorado no cinema egípcio, e que também não se vê muito no cinema mundial de hoje. A simplicidade com que a história é trabalhada acaba por ser tornar um dos destaques do longa, usando algum toque de comédia em cima do drama de personagens singulares, mas que precisam dividir seus problemas entre si. 

Dono de uma loja de fotocópias, Mahmoud é um aposentado que outrora trabalhava em uma redação, redigindo os textos escritos a mão por jornalistas. Durante todas a história, Mahmoud vive a descoberta do novo, mesmo quando o novo já não é tão novo assim, como no caso da extinção dos dinossauros. Além disso, ele também empenha o papel de uma conquistador, ousado, que procura em um romance com uma das moradoras do prédio onde tem a loja reviver o lado bom da vida.

Em certos aspectos, Fotocópia lembra a época do neorrealismo italiano, explorando o existencialismo de maneira sutil. As doses de comédia que aparecem hora ou outra dá ainda mais personalidade a narrativa, mostrando a reinvenção que os personagens fazem deles mesmos.

A Mostra de Cinema Egípcio segue com surpresas boas. Superando qualquer sinopse encontrado sobre os filmes, as histórias mostram o que há de melhor no país, com simplicidade, mas muito carisma e sagacidade.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Para Onde Foi Ramsés? (Where Did Ramses Go?, 2019)


Mostra de Cinema Egípcio - Escrito e Dirigido pelo egípcio Amr Bayoumi, Para Onde Foi Ramsés é um documentário essencial sobre um dos maiores, tanto em tamanho, quanto em significado, da Cidade do Cairo. Porém, não se trata apenas de uma viagem histórica, mas sim um resgate intimista da importância e referência que a estátua de Ramsés II teve em sua vida até 2006, quando foi realocada para o museu da cidade.

Durante entrevista na abertura da Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo, promovido pelo CCBB, Bayoumi afirma que, ainda em 2006, durante a realocação da estátua foram filmadas mais de três horas de operação. Por que então o filme só seria lançado treze anos depois? O maior problema em sua produção seria como abordar o tema. Vendo a ideia inicial, onde o diretor contaria a história a partir do ponto de vista da estátua, podemos dizer que valeu a pena esperar todo esse tempo, já que o roteiro final nos traz a história e uma perspectiva pessoal que começa na década de 1950.

Mas o filme não procura responder literalmente o título, o paradeiro da estátua fica claro desde o começo. A pergunta a ser respondida vem das lembranças da época em que Ramsés II estava no centro de uma praça, onde as ruas distribuiam pessoas para outros cantos da cidade. Aproveitando manchetes de jornais, fotos e gravações antigas, vemos a sucessivas mudanças pela qual o Egito passou desde 1950, seu jogo político até a revolta de 2011, que muitas vezes toma o protagonismo do documentário.

Em seu país, Para Onde Foi Ramsés? recebeu grande atenção de crítica e público, participando de festivais notáveis. Já aqui no Brasil, pouco ouviu-se sobre o longa e pode ser que essa mostra promovida pelo CCBB uma das únicas oportunidades para assistí-lo. E garante que aqueles que o fizerem, não irão se arrepender. A história contada por Bayoumi vai além de qualquer coisa que possa ser pesquisada em livros e internet, é uma narrativa não apenas de Ramsés ou do Egito, mas também de toda sua vivência no Cairo.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Uma Quase Dupla (2018)


Estou aproveitando essa infeliz privação de salas de cinema para colocar algumas filmografias em dia. Uma delas é o cinema nacional, do qual tenho tanto apreço, porém pouca oportunidade devido a escassez de salas para assistí-lo, mas isso fica para outra conversa. Recentemente assisti Uma Quase Dupla, dirigido por Marcus Baldini (o mesmo de Bruna Surfistinha). O filme traz Tatá Werneck e Cauã Reymond como protagonistas e monta uma narrativa leve, mas cômica, como teria que ser.

A história se passa na cidade interiorana Joinlândia, onde, segundo o personagem de Reymond (Claudio), todo mundo é "jóia". Porém um assassinato misterioso traz a detetive especial Keyla (Tatá Werneck) para direto do Rio de Janeiro, onde se tem uma maior experiência com crimes. De cara vemos a diferença no sossego de Claudio, o tira bom, e a agitação da cidade grande de Keyla, a tira mal. Essa amizade que o policial tem com seus vizinhos se torna um grande problema quando Keyla começa a suspeitar de todos, e é então que se metem em discussões e situações cômicas.

Assistindo Uma Quase Dupla hoje, depois de um bom tempo de seu lançamento, vejo o quanto o filme é injustiçado. Reymond e Werneck são atores com personalidades diferentes, assim como seus personagens, e talvez seja esse o motivo da escolha de Baldini, já que os dois em cena forma uma excelente dupla. Mas o nome Tatá Werneck cria expectativas para uma grande comédia, o que infelizmente não é, porém, é tão bom quanto o tema permite. Se o diretor largasse a história para uma total comédia, perderia todo o mistério que nos prende a busca dos personagens.

É fácil ver o carinho com que o filme foi feito. A cidade parada no tempo mostra uma excelente fotografia e cuidado nos detalhes. A injustiça de que falo parte mesmo da comédia, mas enquanto é fácil ver as tiradas de Tatá, porém,todos os outros estão ali, como o momento em que Claudio para uma perseguição para conversar sobre "como vão as coisas" com uma senhora que está passando, não é uma piada tão espalhafatosa, mas ainda assim chega a ser bem engraçado.

sábado, 13 de junho de 2020

O Vendedor de Sonhos (2016)


Adicionado recentemente ao catálogo da Netflix, O Vendedor de Sonhos agradou a muita gente. O filme dirigido por Jayme Monjardim é uma adaptação do livro homônimo do psicólogo Augusto Cury, trazendo Dan Stulbach e César Trancoso nos papéis principais. Com trama envolvente e repleto de lições, é fácil perceber os motivos pelos quais o filme tanto chamou a atenção, tendo ficado no Top 10 Brasil por muitas semanas. 

O psicólogo Júlio César (Stulbach) é convencido a desistir do suicídio por uma sujeito pragmático, interpretado por Trancoso, que se autodenomina O Vendedor de Sonhos. Esse acontecimento improvável faz com que os dois personagens andem pela metrópoles sob a sombra de prédios suntuosos, enquanto o Vendedor luta contra a ideia de trabalhar para viver ou viver para trabalhar. A jornada é repleta de aprendizado, tanto para Júlio quanto para o público. 

Outros personagens surgem como esteriótipos de personas que facilmente encontraríamos pelas ruas de qualquer cidade, cada um essencial para as lições que Monjardim deseja nos passar. Temos o psicólogo renomado que está no fundo do poço após falhar consigo mesmo. O empresário que já fora um dos mais ricos do mundo e devido ao trabalho perdeu até mesmo a sua sanidade. O morador de rua rejeitado por sua família e o garoto trombadinha que carece de oportunidades. São imagens que temos de pessoas que vivem nas ruas das grandes cidades e a forma como ela os engole.

A única coisa que parece faltar em O Vendedor de Sonhos é mais firmeza, para que a história não parecesse tão leve quando se fala de assuntos tão importantes, mas esse leveza também parece ser o que atrai tantos espectadores e desperta reflexão. O trabalho de Monjardim é excelente e ver Dan Stulbach e César Trancoso contracenando é um dos destaques do filme, que acompanha uma fotografia bela, principalmente em cenas de pouca luz. 

Vendo agora, essa adaptação poderia ter ganhado um pouco mais de destaque em seu lançamento, 2016, e dito isto, podemos ver um dos pontos positivos das plataformas de streaming. Claro que o filme visto em casa é diferente daquele que assistimos na tela grande, mas ainda assim é uma boa maneira de termos acesso e valorizarmos aquilo que em sua época ficou para trás.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Nóis Por Nóis (2020)


Aly Muritiba é o cineasta incansável, sempre trabalhando para o cinema ou TV. Suas experiências de vida, tendo trabalhado como carcereiro, sempre o levam a um lugar comum, as zonas periféricas que sofrem com o descaso e desrespeito. Em Nóis Por Nóis - co-dirigido por Jandir Santin - vemos a história de quatro jovens da Vila Sabará, em Curitiba, que têm seus destinos selados após uma confusão na festa organizada pela comunidade.

Os atores selecionados por Muritiba e Santin são amadores e residem próximos a Vila Sabará, jovens que participam do movimento negro e do rap na cidade, o que ajudou em muito no desenvolvimento do roteiro. Após a confusão na festa, os amigos se separam, porém, no dia seguinte Café (Matheus Correa) está desaparecido, aparentemente decorrente a briga que houve no dia anterior. Assim como em “Ferrugem” Muritiba aproveita a tecnologia que está atrelada a juventude de hoje. O caso é que Café gravava e reproduzia, nas redes, a ação abusiva de policiais na Vila Sabará e por isso sempre era alvo deles. A resposta está em seu celular, mas chegar a ela leva Mari (Ma Ry, rapper local), Shat (Felipe Shat) e Japa (Matheus Moura) em uma jornada de luta social e autoconhecimento.

As coisas vão acontecendo aos poucos. Não temos só o desaparecimento de Café como problemas a serem resolvidos. Cada personagem tem seus problemas pessoais. Enquanto Mari precisa ajudar a cuidar de seu pai invalido, Japa vive junto com Nando (Luiz Bertazzo, ator profissional), que atrai os jovens para a cena criminosa da periferia, e precisa se afastar dele ao mesmo tempo em que precisa de sua ajuda. E Shat descobre que sua namorada, Jana (Stephany Fernandes) está grávida e precisa de dinheiro para o aborto, mesmo que está decisão esteja além de seu controle.

Nóis Por Nóis traz uma trama bem elaborada. O mais interessante é a amplitude com que os diretores abordam assuntos que estão presentes na periferia. Não é só o abuso policial que está tão presente na história, mas a dificuldade dos personagens em suas vidas pessoais e o processo de aprendizagem que faz com que eles vejam que se não se levantarem contra essas injustiças, ninguém fará isso por eles. O filme em questão é mais uma grande obra do imparável Aly Muritiba (que já vem trabalhando em Aeroporto Central e Jesus Kid) e que traz seu ex-aluno, Jandir Santin, em grande estreia no cinema e com potencial para voar tão alto quanto seu professor.



Ebola: Sobreviventes (2018)


ECOFALANTE - A Mostra Ecofalante foi adiada para o segundo semestre deste ano, mas para que a semana do meio-ambiente não passe em branco, os organizadores selecionaram 5 filmes, sendo dois brasileiros e três estrangeiros, que serão exibidos de forma gratuita até o dia 09 de junho.

O surto de ebola que atingiu a África Ocidental em 2013 foi uma das maiores epidemias a atingir uma população até aquele momento. Tendo se arrastado até 2016, o cineasta Arthur Pratt, natural da região, acompanhou o trabalho de socorristas que atuam para amenizar as perdas, correndo o risco de contrair o vírus e até mesmo infectar a própria família. Em Ebola: Sobreviventes vemos dia-a-dia das pessoas em vivem em meio a crise, mas que com uma vida difícil, não podem parar seus afazeres, o que levou a perda de mais de 11 mil pessoas para o ebola.

Mohamed Bangura é um dos protagonistas do documentário. Trabalhando como motorista de ambulância, ele é uma das peças essenciais na batalha contra a epidemia, tornando-se até a capa da propaganda contra o vírus. Suas motivações são simples, o que ele quer é ajudar seu povo, que muitas vezes é esquecido por quem vem de fora. Sua vontade parece ser interminável, certeza que nos dá quando desce um dos morros da região com um infectado nas costas, por falta de equipamentos adequados para o manejo. E nisso vemos que o trabalho de Pratt é essencial para que pessoas como Bangura não sejam esquecidas e ainda possam inspirar outras.

Ebola: Sobreviventes explora a epidemia que devastou tantas famílias. Mostra a tensão entre os moradores de Serra Leoa e ONGs internacionais, além da tensão política vividas após a guerra civil do país. Arthur Pratt procura a identidade de seu povo mesmo diante da ajuda internacional, alcança seu objetivo com um final que ameniza tamanha tragédia, mostrando aqueles que conseguiram sobreviver.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Ruivaldo, O Homem que Salvou a Terra (2019)


ECOFALANTE - A Mostra Ecofalante foi adiada para o segundo semestre deste ano, mas para que a semana do meio-ambiente não passe em branco, os organizadores selecionaram 5 filmes, sendo dois brasileiros e três estrangeiros, que serão exibidos de forma gratuita até o dia 09 de junho.

Começamos com Ruivaldo, O Homem que Salvou a Terra, dirigido por Jorge Bodanzky e co-dirigido, e com fotografia lindíssima, por João Farkas. A produção mostra a degradação do Pantanal brasileiro, ocorrida em maior parte por causas naturais, mas também por grande descaso de fazendeiros negligentes ao ambiente e descaso de instituições governamentais que deveria preservar a região. O ponto de partida é o Rio Taquari, que tem toda sua extensão como protagonista, talvez o ponto onde mais vemos as mudanças que foram acontecendo no decorrer dos anos.

Já o personagem que dá título ao documentário, se trata de um verdadeiro achado da região. Ruivaldo é um fazendeiro da região próxima ao rio Taquari. Usando sacos de areia, consegui evitar o alagamento em boa parte do terreno de sua fazenda, onde hoje consegue plantar e criar alguns animais. Sem tomar qualquer partido político ou estar atrelado a movimentos ativistas, Ruivaldo persiste e mostra porque ama o Pantanal, tendo como único desejo preservar a terra a ponto de seus antigos vizinhos também conseguirem retornar e trabalhar nela. Embora apareça pouco, sua presença é essencial para que entendemos a necessidade da preservação do lugar, fazendo jus ao título.

Embora o filme se trate mais de uma denúncia que puro entretenimento e a maioria das imagens que temos sejam desoladoras, João Farkas traz uma fotografia belíssima, que emociona. Seu trabalho já possuía essa atitude emergencial, mostrando ao mundo a situação de lugares remotos, muitas vezes degradado por puro descaso.

Ruivaldo, o Homem que Salvou a Terra é urgente. Bodanzky abre nossos olhos para o que hoje ninguém vê, por falta de interesse ou informação. O filme teve sua estreia em Bruxelas no ano passado e agora chega com esse pocket da Ecofalante, mas espero ter a oportunidade de ver toda essa fotografia na tela grande.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Os 8 Magníficos (2017)


Imagina como seria juntar grandes nomes do cinema nacional para um almoço de domingo. Foi isso que o diretor Domingos de Oliveira fez em 2017. Maria Ribeiro, Wagner Moura, Mateus Solano, Carolina Dieckmann, Alexandre Nero, Fernanda Torres, Sophie Charlotte e Eduardo Moscovis são Os 8 Magníficos que nos levam aos bastidores do trabalho de ator. Com o roteiro abandonado antes mesmo das gravações começarem, Domingos de Oliveira deixa o momento guiar a trajetória desse doc que tem muito a nos dizer.

São muitas gargalhadas e cantoria em uma conversa descontraída, alheia a técnicas ou alguns outros artífices do cinema. É tudo bem espontânea, Domingos não se importa com o movimento da câmera, ou a fotografia. O importante é o conteúdo e isso tem de sobra. Durante a conversa vemos improvisações diferenciadas, descontraídas, e criação de histórias que provocam inúmeros sentimentos, mesmo quando são feitas sem compromisso algum. Além disso, temos revelações profissionais e pessoais de cada ator, como foi interpretar certo personagem, ou como aquele outro interferiu em sua vida pessoal. 

A bem da verdade, Os 8 Magníficos não traz nada de muito glamouroso em sua produção. A qualidade do doc fica por conta da experiência de cada ator que traz em suas bagagens uma imensa pluralidade de aprendizado. Vê-se que Domingos de Oliveira, que faleceu no ano passado, gostava de trabalhar entre amigos, seu elenco sempre trouxe nomes de filmes anteriores, e talvez por isso conseguiu de uma maneira tão simples transpassar essas histórias para o público.

O que temos é um ensaio sobre a profissão ator, trazendo a tona as dificuldades e peculiaridades do ofício. Domingos de Oliveira pouco trabalha durante a filmagem, mas faz por merecer os créditos pela ideia de juntar todos esses nomes que tão bem representam o cinema nacional em uma sala, onde tiram a máscaras e nos permitem participar de uma conversa entre amigos.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Tour de France (2017)


Varilux - Parece que nos últimos anos o cinema francês vem mostrando a situação de imigrantes no país. Isso foi visto no excelentíssimo Os Miseráveis, lançado no ano passado. A mensagem é sempre a mesma: a desigualdade e preconceito que essas pessoas vivem. Em Tour de France, o diretor Rachid Djaïdani utiliza do estilo road movie para mostrar a situação de dois personagens que precisam atravessar todo o país para entenderem um ao outro.

O primeiro personagem é Far'Hook, um rapper árabe interpretado por Sadek, que também é rapper na vida real. Suas origens o leva a usar o rap como forma de se expressar e lutar contra o preconceito que sofre. Do outro lá temos Serge, brilhantemente vivido por Gérard Depardieu, um alemão que vive na França e se mostra mais patriota que muitos dos franceses. O encontro dos dois ocorre quando Far'Hook é atacado nas ruas de Paris e seu produtor, filho de Serge, o indica como motorista para o pai, que pretende pintar todos os portos assim como o artista Vernet.

O preconceito de Serge é visto de cara. Logo quando Far'Hook bate em sua porta e ele se recusa a abrir. Mas vemos também o que ele sofre em seu bairro, devido a criminalidade e tráfico de drogas. É fácil entender o lado de cada personagem, devido as suas realidades tão diferentes, e é esse entendimento que Rachid busca passar para o público, que acompanha a lição através dos dos dois indivíduos. O aprendizado fica claro quando Far'Hook é enquadrado pela polícia, claramente devido a suas origens, e Serge intervém, os dois são detidos em uma cela e parecem finalmente estar do mesmo lado. 

Quando já estamos próximos do fim, tanto Far'Hook como Serge percebem que nenhum deles são franceses e que até mesmo muitos dos franceses não os são. Isso devido aos limites do mundo de cada um, hora impostos por eles mesmo, hora pela sociedade. Mas a mensagem de Djaïdani perde a força quando no fim a aprendizagem dos personagens parecem servir para todos, claro que é o que gostaríamos que acontecesse, mas infelizmente não veremos isso acontecer.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

O Filho Uruguaio (Une Vie Ailleurs, 2017)


Varilux - O drama de uma mãe ou pai separado do filho está atrelado ao nosso cotidiano. Retratar isso no cinema não é uma tarefa das mais fáceis, pois a intensidade de emoções precisam atingir um ponto que beira ao desespero. O diretor e coautor Olivier Peyon trata desse caso em O Filho Uruguaio, filme que atinge o alvo com boas atuações e uma história bem amarrada, que seria difícil de acreditar se não fosse tão próxima da realidade.

Sylvie (Isabelle Carré) vai ao Uruguai em busca do filho que não via há 5 anos. Para ajudá-la, o assistente social Mehdi (Ramzy Bedia), a acompanha na viagem para intermediar o contato de mãe e filho. Mas acontece que o filho, Felipe (Dylan Cortes) foi sequestrado pelo pai anos antes e agora Sylvie planeja recuperá-lo através de um novo sequestro. 

Acontece que agora Felipe vive com a tia e a avó e acredita que sua mãe está morta, o que atrapalha os planos de Medih em convencer o garoto de partir com ele. Medih se aproxima da tia, Maria em excelente atuação de Mariá Dupláa, e a história segue para um desfecho que guarda surpresas para todos os personagens.

São muitas pedras no caminho entre Sylvie e Felipe, o que torna o roteiro difícil. Podemos olhar de um ponto judicial, onde Sylvie acionaria o consulado francês e assim conseguiria a guarda do filho sequestrado. Outro ponto é o emocional onde ela apareceria na porta onde seu filho mora e causaria um grande alvoroço. Mas Payon acertar em adotar um meio termo e seguir a trama de um novo sequestro, isso serve para que entendemos o diferentes pontos de vista dos personagens.

O que parecia ser uma tarefa fácil para Medih, se torna complicada ao ver a vida que Felipe leva, sendo bem cuidado pela avó e tia. A avó sustenta a morte da mãe com receio de perder o único neto. A tia mal sabe o que se passa nos bastidores dessa trama, enquanto a mãe segue em desespero e aflição.

Gostei muito do que vi em O Filho Uruguaio. Além de uma história bem elaborada, temos um grupo de atores formidáveis. O trabalho de Payon também merece destaque e embora não se aproxime tanto no distanciamento de mãe e filho, mostra o que a ausência causa a ambos e àqueles que estão ao redor.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Lulu Nua e Crua (Lulu Femme Nue, 2015)


Varilux - É impossível negar que Lulu Nua e Crua seja um filme francês. O roteiro da também diretora Sólveig Anspach, ao lado de Jean-Luc Gaget, adaptado da HQ homônima de Étienne Davodeau, traz um romance digno do cinema francês e, ainda assim, consegue desprender-se de qualquer clichê do gênero. 

Lucie (Karin Viard) começa fazendo uma entrevista para trabalhar como secretária. Esse novo trabalho a levaria para um cidade próxima a Angers, fazendo com que ficasse longe do marido e dos filhos. Sendo rejeitada pela empresa, perto o trem que a levaria para casa, então decidi ficar fora por uns dias. O motivo desse distanciamento não fica exatamente claro, mas percebemos o cansaço da rotina que a aflige e a felicidade que encontra com pessoas que vivem alheias a tanta responsabilidade.

A história pode parecer clichê. A fuga da mulher entendia com a mesmice da vida em uma pequena cidade francesa. A Anspach traz uma montagem que a livra desses estereótipos e conta uma história formidável. Muito disso fica por conta de Karin Viard, que atua de forma brilhante. A atriz dá um ar singular a seu persona, com uma personalidade tão forte (mesmo quando parece frágil) e decidida que a difere de qualquer outra personagem de histórias similares. 

Durante seu auto-exílio na cidade vizinha, ela encontra um ex-detento por quem se apaixona e vive alguns dias felizes, esquecendo de qualquer responsabilidade. Em seguida, conhece uma senhora solitária, com quem cria um laço afetuoso, como mãe e filha. Isso lhe dá a experiência da qual foi privada até o momento e ao voltar para casa, promete que nada será como antes.

O ponto principal do filme é a atuação de Karin Viard, que segura do início ao fim. Mas Sólveig Anspach acerta em cheio na adaptação, fazendo de Lulu Nua e Crua um filme leve e cheio de reflexões, atingindo o objetivo ao mostrar esse feminismo sutil, porém forte, decidido e necessário.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Fendas (2019)


BIFF - Fendas é um filme curioso e criativo. O filme dirigido por Carlos Segundo explora uma novidade da física para mergulhar em questões existencialista, levando a protagonista a um novo lugar e novas idéias. Seguindo uma narrativa literária, andamos por ruas e galerias, viajando através de luzes e sons.

Catarina é uma pesquisadora que chega a Natal (RN) para onde atua como professora. Seu trabalho ajuda em sua pesquisa que consiste na descoberta que, aparentemente, ela mesma fez. Extrair e interpretar o som produzido pela luz. Isso a leva em um diálogo com indivíduos de lugares e tempos diferentes, a partir de tudo aquilo que ela pode ver. Sua pesquisa também a leva por questionamentos intimistas, iniciando uma reflexão sobre ela mesma e a situação do país, interessante quando uma amiga expõe um grande problema para o Brasil: "homem, branco, conservador", é perigoso e hoje vemos o resultado dessa junção.

Fendas traz uma boa ideia. Uma nova forma de comunicação e reflexões interessantes. Mas se segue com uma sonoridade proeminente, falha no imagético. As cenas se prolongam demais, quase sempre em uma fotografia admirável, mas que vai se gastando com o tempo. Falta algum close ou movimento que potencialize os sentimentos, não imagens estáticas que deixem a sequência cansativa e sem sal. As melhores cenas são as mais curtas e não devido ao tempo, mas com méritos em sua beleza, como a escada em espiral, no farol. Mas as demais deixam a aflição por falta de movimento.

O trabalho de Carlos Segundo é mediano. São boas ideias que poderia ser melhor exploradas. Porém, só posso imaginar o quanto seria difícil exprimir essas idéias em imagens. A história é bem contada, corre bem, o que falta é essa coisa na imagem, que, confesso, não saber bem o que é.

O Tesouro Esquecido (2019)


BIFF - Sempre que vejo alguma coisa sobre pintura, lembro de A Coleção Invisível, de Bernard Attal. Qual a importância da arte para uma pessoa. Existem aquele que compram arte por status e vivem expondo valores ao invés de sentimentos. E existem aqueles como o brasileiro Chagas Freitas, que comprou e manteve muitas obras fora do eixo realismo socialista em plena RDA, e que agora mostra sua paixão no documentário O Tesouro Esquecido, dirigido por Tom Ehrhardt.

Chagas Freitas foi um representante cultural do Brasil na Alemanha Oriental. Em cerca de sete anos adquiriu uma grande coleção de desenhos e pinturas de artistas que iam além do realismo socialista proposto pelo governo da época. Com isso, também vieram a amizade desses artista que em seu interesse, acharam motivos de persistirem em seus trabalhos. No momento em que o documentário estava sendo gravado, ele procurava um forma de dar visibilidade a sua coleção e também uma maneira de preservá-la. Viajando novamente a Alemanha, encontra seus amigos e o jeito de expor todas as sua obras.

Ver essas obras é também viajar pela história da Alemanha Oriental. Os depoimentos e fotografias nos mostram como eram as coisas na época em que o artista era incentivado e, ao mesmo tempo, reprimido. O caso é que o governo fornecia meios para que cada uma estudasse e trabalhasse com isso, mas deveria ser feito o que era proposto e o que fugisse disso, seria colocado na obscuridade e esquecido. Tendo a acreditar que muitas dessas obras teriam sido perdidas se não fosse a caçada de Freitas, que reuniu cerca de dois trabalho de mais de cem artistas.

O documentário gira em torno da importância que essas obras têm em preservar a história da RDA. Em tudo o que os artistas viveram, os momentos bons e ruins, a inovação e sagacidade que precisaram para continuar suas carreiras. E também a necessidade de mostrar isso a outras pessoas, para que a arte e a história de um momento que o governo tenta esconder não sejam esquecidos.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Cano Serrado (2019)


BIFF - É difícil produzir um filme de ação no Brasil. Embora o país conte com bons filmes que seguem esse ritmo (veja Bacurau como exemplo), não é algo atrelado ao cinema nacional. Mas Erik de Castro (mesmo diretor de Federal) arrisca e traz Cano Serrado, um policial que se encaixa no western brasileiro e desperta uma discussão sobre justiça em um lugar onde todos são vilões. Onde a verdadeira busca pelos culpados fica além do que é visto na tela e nos faz pensar, mesmo que pouco, sobre os caminhos que seguimos.

Luca (Jonathan Haagensen) é um policial da capital, ele e um amigo seguem em viagem ao interior escutando e com o intuito de participar de um grupo de orações. As coisas começam a acontecer quando param para jantar, onde logo depois são atacados pela guarda militar da região. O amigo de Luca morre no ataque, ele é levado como suspeito e deve confessar sua participação em um assalto no qual o caminhoneiro foi morto, caminhoneiro esse que é irmão do Sargento Sebastião (Rubens Caribé), da Guarda Militar.

O filme desperta algumas ideias. Como as injustiças que acontecem e o que as motivam. A atuação de policiais em cidades interioranas, como diz Sebastião "na nossa cidade quem manda é nóis". Mas o problema é que a história, também de Erik de Castro, não se aprofunda verdadeiramente em nenhum dos casos. O diretor aposta mais na ação, que existe e até nos deixa apreensivo, mas em diálogos soltos e forçados, faz faltar aquela sensação de imersão.

Cano Serrado possui seus méritos, Castro consegue esconder muita coisa para o momento adequado, que pode até surpreender. O que atrapalha são os diálogos forçados que deixam a sensação de ausência. Como se os personagens não estivessem realmente presentes na cena, quando o filme é montado com seus flashbacks conseguimos entender melhor a história, mas mesmo quando chega ao fim, ainda falta algumas coisas para que ela esteja realmente completa.

Blue Girl (2020)


BIFF - O futebol é uma paixão. Em época de Copa do Mundo muitas pessoas se reúnem em frente a TV, seja em casa, na casa de amigos ou em uma mesa de bar. E é isso que o diretor Keivan Majidi vem nos mostrar em Blue Girl, onde em uma vila montanhosa no Curdistão, as pessoas são apaixonadas por futebol, tendo como plano de fundo a Copa do Mundo da Rússia, em 2018. A produção é de uma sensibilidade irretocável, acompanhando um grupo de crianças que lutam pelo sonho de ter um campo de futebol.

O documentário acompanha um grupo de crianças, entre meninos e meninas, que são apaixonados por futebol. Mas vivendo em uma região montanhosa, não encontram nenhum lugar plano onde possam jogar. O jogo acontece nas ladeiras estreitas da vila, tirando o sossego e quebrando utensílios dos mais velhos. Nesse clima de tensão, o jeito é achar um lugar para jogar, junto a um adulto que se diverte com a criançada eles começam seu trabalho no topo da montanha, no que será o primeiro campo de futebol da região.

Blue Girl é uma obra-prima. Com uma fotografia estonteante e trilha sonora primorosa, o trabalho de Majidi recebe atenção em cada detalhe. A presença de Ruud Gullit, o adulto que está sempre com as crianças, mostra o quanto é necessário persistir em um sonho e a menção de nomes famosos do futebol mundial reflete a importância desses jogadores para o imaginário das crianças. 

Existe também uma crítica em relação a proibição de mulheres nos estádios iranianos. Essa crítica fica clara tendo como narradora uma das garotas que ajudam na criação do campo. E se mostra ainda mais quando Gullit convida os aldeões para a primeira partida, deixando claro que não existem diferenças entre homens e mulheres. E é daí que surge o nome Blue Girl, esse era o apelido de uma mulher de 30 anos, chamada Sahar Khodayari, apaixonada pelo Esteghlal Football Club e que foi presa ao se vestir de homem e tentar entrar em um estádio. Ao saber que pegaria entre seis meses e dois anos de prisão, ateou fogo no próprio corpo.

Blue Girl só falha ao não se aprofundar mais nessa questão das mulheres, poderia ter aproveitado o espaço para discutir com maior exatidão o assunto. Fora isso, o filme mergulha de cabeça na missão das crianças em construírem seu próprio estádio e seguirem o sonho de jogar futebol nas maiores seleções do mundo. As crianças trabalham de uma forma tão afetuosa que mal acreditamos se tratar de um documentário, mas ao ver aquela energia que não poderia ser fingida, vemos a importância de algo que deveria se comum em todas as regiões.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Pérolas no Mar (Hou lai de wo men, 2018)


Entrei em uma jornada pelo "cinema" oriental, e coloco aspas porque todos sabem que os cinemas estão fechados e o que nos resta, e agradeço por essa opção, é o famigerado streaming. O fato é que eu não poderia ter começado de melhor maneira. O que a diretora taiwanesa Rene Liu nos traz é de uma delicadeza desconcertante, aquela que quando o filme acaba nos encontramos sem chão, enquanto ao mesmo tempo estamos prontos para o que der e vier.

Pérolas no Mar começa nos apresentando para seu personagem central, Jian-qing (Boran Jing), o homem que aparentar ter tido sucesso na vida. Mas voltamos no tempo para ver a luta que foi chegar até lá, e a importância de um amor que começa de forma inesperada, com a típica personagem maluca e desastrada, aqui chamada de Xiao-Xiao (Dongyu Zhou). O encontro dos dois, agora adultos, os leva a uma viagem por memórias que marcaram a vida de ambos. 

As lembranças sempre retornam ao dia antes do ano novo chinês. Os primeiro encontro dos personagens acontece em um trem lotado, saindo de Pequim rumo a cidades interioranas. Jian ajuda Xiao com seu bilhete perdido e no fim, depois do trem parado devido a problemas na via, os dois acabam indo a pé para mesma cidade. A partir desse momento, se descobre muito sobre os dois. Jian quer desenvolver um jogo que o deixará rico e famoso, Xiao procura um marido mais velho e rico que possa lhe dar uma casa e livrá-la de preocupações. 

Nenhum dos dois conseguem atingir esse objetivo e por isso acabam juntos, sempre voltando a cidade natal para o ano novo chinês. Sendo esse o ponto central da trama, vemos a importância do pai de Jian-qing. Um senhor modesto e que possui um restaurante tão humilde quanto ele na cidade, onde é servida a refeição da virada de ano entre os amigos. A forma como os dois tratam o senhor é como vemos o desenvolvimento dos personagens em relação ao tempo e as escolhas que fazem durante ele. O roteiro de Rene Liu, Yu Pan e Yuan Yuan traz muitos clichês, mas é a sutileza que o diferencia e, claro, a estonteante fotografia de Ping Bin Lee.

A história nos dá um pontapé atrás do outro. Uma hora ele é quente e ficamos felizes com o andamento da história, mas de repente sentimos a frieza embalada por cenários escuros e gélido. Pérolas no Mar é um filme que merece mais atenção, não foi fácil chegar até ele. Talvez porque não seja assim tão novo e enfrenta a batalha constante de lançamentos da Netflix. Mas são quase duas horas de um excelente cinema e aqueles que decidirem se aventurar nessa narrativa, deve fazê-lo até o último segundo.

terça-feira, 31 de março de 2020

Chico Fumaça (1958)



Toda a obra de Amácio Mazzaropi é algo singular no Brasil e fora dele. Em seus últimos filmes passou a participar de todo o processo criativo da maior parte de seus filmes, desde o roteiro até a produção final. Mas isso só aconteceu a partir de Chico Fumaça, filme dirigido por Victor Lima e produzido por Oswaldo Massaini, que já trazia aqueles trejeitos do Jeca pelo qual Mazzaropi ficou tão conhecido. Vale lembrar que estamos no centenário de Oswaldo Massaini, um dos maiores produtores que nosso país já teve. Assim como em outros filmes, seu trabalho foi essencial para que Chico Fumaça chegasse a maestria, ainda com boa direção de Lima, coroado com a atuação engraçada e ao mesmo tempo engajada de Mazzaropi.

Chico Fumaça é um típico personagem de Mazzaropi. O jeca que vive no interior e pouco sabe sobre o mundo e sua evolução. Um sujeito sossegado que passa os dias a ver o trem passar perto de sua casa e tomar dinheiro emprestado sem ter o mesmo para pagar algum dia, além de enrolar sua noiva, ansiosa pelo casório. As coisas mudam depois de uma forte chuva que acaba destruindo sua morada. Sem ter o que fazer, faz sua “trouxa” com um pano e um galho e sai a andar pelos trilhos. Mas a chuva não destruiu só sua casa, também afetou o caminho pelo qual o trem, que traria o líder do partido “Oportunista” a sua cidade. Então Chico consegue avisar o maquinista e evitar um terrível acidente, é dado como herói e sua sorte muda, e é ai que começa a verdadeira comédia.


O cinema de Mazzaropi vai além do entretenimento, existe ali uma crítica social que até parece sutil, mas está totalmente engajada. Em Chico Fumaça mostra em formato de paródia os bastidores dos dias pré-eleitorais em uma pequena cidade interiorana. Dá para ver como os personagens políticos tentam tirar vantagem do heroísmo de Chico, mas esperto como um mulato que precisou aprender para viver e inocente em suas ambições, não se deixa ser enganado. Em meio a mentira e enganação, o personagem interpretado por Mazza mantém sua simplicidade, quando vai ao Rio só lembra da saudade que sua cidade e sua amada lhe dá. Quando as coisas saem do controle, Chico é visto como vilão por aqueles que o idolatravam, mas é só conseguir, de novo sem querer, mas um ato de heroísmo que já é visto novamente como o rosto do povo para o partido Oportunista, que como o nome já diz, não perde uma deixa.

Victor Lima, que também desenvolveu o roteiro, trabalha uma história divertida, mas que também faz pensar. A manipulação política em época de eleição é algo que ocorre até hoje e a busca de um rosto que possa enganar os eleitores é uma procura constante. O abraço na dona Maria e o aperto de mão do Sr. José é algo que a TV é autorizada a mostrar, mas a parte mais suja dos bastidores fica lá no fundo de todo esse aparato e se alguém se propor a desvendar o que acontece nesse lado obscuro, é bem capaz que acabe como os repórteres de Tropa de Elite. 

sexta-feira, 27 de março de 2020

Rocha Que Voa (2002)


É Tudo Verdade - A humanidade se encontra em um momento sombrio, talvez a maior dificuldade que enfrentamos nos últimos anos. A quarentena deixou os filmes pós apocalípticos e veio fazer parte do nosso dia-a-dia. Nasce o medo e o desespero, a incerteza. Mas ainda precisamos da arte, como foi dito por Fernanda Montenegro em seu Instagram recentemente "sem arte não se vive". Por isso muitas plataformas de streaming, diretores, produtores e distribuidoras decidiram disponibilizar filmes para quem está em casa. O Festival É Tudo Verdade seguiu o mesmo caminho, mesmo optando por adiantar a exibição de filmes mais "frescos" para setembro, fez uma seleção de produções que irão fazer parte do festival e disponibilizou de forma gratuita para aqueles que desejam assistir. O filmes podem ser vistos através do Itaú Cultural e SPcine Play.

Para começar, escolhi um documentário que permeia por esse caminho, a importância da arte em momentos difíceis. Rocha Que Voa, do diretor Eryk Rocha, traz reflexões de um dos maiores realizadores do século 20, Glauber Rocha. O documentário reúne ideias e declarações de Glauber durante sua passagem por Cuba. O cineasta compara o Cinema Novo, do qual foi um dos precursores, com o cinema de Cuba, ali pelos anos 70. Todas a declarações trazem um cunho político e mostra a importância da arte nessa briga social e cultural, que não é muito diferente do que vivemos hoje.

Criando uma compilação de imagens gravadas nos anos 70, Eryk utiliza filtros que colocam o passado e futuro em uma conversa a ser lapidada. A ideia era de unir todo o cinema latino americano em uma única busca, a liberdade. Hoje ainda encontramos esse desejo em cineastas contemporânea, onde produções desse lado da América ganham cada vez mais destaque lá fora e apoio de dentro de casa. 

Rocha Que Voa traz a ideia que Glauber Rocha sempre demonstrou sobre o que, ao seu ver, é cinema. Através da estética escolhida por Eryk, que dá uma apimentada nas declarações, vemos o amor pelo cinema e pela política. Embora os dois pareçam dispares, Glauber enxerga o quanto um poderia apoiar o outro e com isso trabalha em uníssono para que a arte possa demonstrar ao espectador aquilo que muitos procuram esconder. Tudo o que é dito em Rocha Que Voa foi importante nos anos 70, para o cinema chegar ao é hoje. Também foi necessário em 2002, para o novo enxergar o os anseios passado. Hoje, é preciso, pois talvez o Brasil viva sua maior batalha entre política e cultura.