quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Fernando (2017)


Fernando Bohrer é ator e professor de teatro no Rio de Janeiro. Aos 74 anos de idade, é provocado pelo trio de diretores Igor Angelkorte, Julia Ariani e Paula Vilela a interpretar sua própria existência, depois de tantos anos sendo outros personagens. Através de um retrato íntimo do ator, com algumas pitadas de ficção, vemos um documentário que revela toda a sensibilidade de Fernando, seus relacionamento com o marido César e seu trabalho, que busca transpassar a mesma essência a futuro atores. Isso faz com que Fernando seja um produção que nos convida a viagem de uma pessoa tão extraordinária, que nos chama atenção a cada diálogo. 

Se por um lado temos um ator que devido a sua profissão atua a todo momento, por outro temos seu íntimo que nos faz pensar não só sobre o ofício, mas sobre uma pessoa que ali é tratada com merecido respeito. Acompanhar o cotidiano do personagem é algo maravilhoso. Somos presenteados com diversas reflexões, que permeiam entre o estado de espírito e físico de Fernando. Um dos primeiros momentos mais bonitos do filme é quando Fernando está com César na cama, apreensivo ao diagnóstico da médica mais cedo. César procura ouvir o descompasso de seu coração, mas o tranquiliza dizendo que não há nada de errado. Uma cena longa, simples, em um quarto apertado. Mas tão bonita que quando Fernando pega a coberta para enrolar o companheiro, emociona quando vemos a força desse amor. A produção segue por essa forte simplicidade.

Além das aulas, Fernando ainda atua. O trio de diretores pegam a essência desse trabalho de atuação. Ensaiando para um nova peça, pegamos Fernando refletindo sobre seu trabalho e sobre a vida. Um outro grande momento é quando discute com sua companheira de cena sobre a velhice, mais uma vez em cena extensa, um ótimo trabalho dos diretores. 

Fernando é um filme atípico, pois apesar de ter como foco o cotidiano de Fernando Bohrer, ele traz discussões sobre a vida de uma pessoa, a importância da arte para o seu desenvolvimento e a dificuldade que muitas vezes encontramos para disseminá-la. Mas encontramos os meios para isso através de Fernando, o ator personagem, um ser excepcional, que talvez devido aos seus anos de trabalho nunca deixou de atuar, mas se transformou nessa pessoa singular e sensível aos detalhes. Excêntrico, extraordinário.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Um Dia de Chuva em Nova York ( A Rainy Day in New York, 2019)


"Não estar em Nova York é a mesma coisa que não estar em lugar nenhum", é com esse pensamento que Gatsby anseia voltar para a cidade de onde veio. Estudante de uma faculdade mais adequada, como diria sua mãe, e sem saber qual rumo tomar, o jovem viaja com sua namorada, Ashleigh, a Manhattan, onde a garota tem uma entrevista com o diretor Roland Pollard, para o jornal da mesma faculdade. 

Essa é a premissa de Um Dia de Chuva em Nova York, o mais novo trabalho do renegado diretor Woody Allen. Aqueles que acompanham o trabalho do diretor percebem de cara que se trata de um filme de Allen, é só ouvir a trilha sonora que dá início ao filme. A narrativa em terceira pessoa do protagonista com músicas clássicas ao fundo é uma das características do cineasta. Gatsby, interpretado por Timothée Chalamet, pode não ter os trejeitos que vimos em Alvy Singer (em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, 1977), mas o discurso é o mesmo. As discussões existencialistas, a procura de um objetivo para a vida e a indignação da "arte obrigatória" são frequentes em filmes do diretor.

Um dos pontos fortes de Allen, que também se mostra em Um Dia de Chuva, é a construção de personagens. Lembro que quando assisti Blue Jasmine (2013), fiquei marcado pela personagem interpretado por Cate Blanchett, tanto por gostar da atriz, quanto pela excentricidade da personagem. Agora temos um elenco forte, onde atores experientes contracenam com os mais novos. Além de Chalamet, temos Elle Fanning (Ashleigh), Liev Schreiber (Roland), Selena Gomez (Chan) e Jude Law (Ted Davidoff). Allen brinca com o seu meio através de Roland e Ted, um diretor e um roteirista que vivem entre festas, autodepreciação e novos "amores". Há também as personagens femininas, Ashleigh é aquilo que o protagonista mais deseja, enquanto Chan é aquilo que precisa, o que lembra um pouco de Meia Noite em Paris

O mais incrível de toda a obra de Woody Allen é como ele consegue reciclar a identidade de seus personagens, dar uma temperada para trazê-los aos dias atuais e ainda assim executar um trabalho tão singular. Para mim, Woody Allen é como um diretor europeu se divertindo em uma Nova York nublada, trazendo mais uma vez Manhattan como protagonista, ele faz a cidade brilhar mesmo debaixo de chuva. Ainda tenho Meia Noite em Paris como uma das melhores obras do diretor nos últimos anos, mas confesso que por alguns dias minhas emoções serão todas de Um Dia de Chuva em Nova York.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Kings: Los Angeles em Chamas (Kings, 2017)


O ano de 1991 foi turbulento no EUA. Após ser acusado de dirigir em alta velocidade, Rodney King é espancado por policiais. Durante toda a investigação, negros viam uma injustiça sendo orquestrada e mesmo com gravações que provem o abuso policial, os envolvidos são declarados inocentes. O EUA entra em chamas. É a partir desse acontecimento real que a diretora turca Deniz Gamze Ergüven estreia no cinema norte americano com Kings: Los Angeles em Chamas, transformando aquele ano em um drama cinematográfico, que por vezes se perde entre seus personagens, mas nos entrega um bom ensaio sobre os princípios do Homem.

Ergüven traz personagens interessantes. Millie (Halle Berry) é uma mulher que leva crianças negras de seu bairro para sua casa, quando elas não têm onde ficar. Jesse (Lamar Johnson) é um desses garotos, o que mais ajuda Millie a cuidar das crianças e vive permeando entre o certo e o errado, em uma constante briga com sua consciência. Com a chegada de William (Kaalan Walker), um garoto mais velho já acostumado com a vida nas ruas, e com o caso de King ganhando repercussão pelo país, as coisas prometem mudar. Millie se desdobra para cuidar das crianças, William decide se virar com elas, enquanto Jesse segue no embalo. Nesse meio tempo ainda surgem a garota encrenqueira Nicole (Rachel Hilson) e o excêntrico vizinho Obie (Daniel Craig), que dão mais personalidade a produção.

Porém, tantas personalidades deixam Kings com uma história um pouco bagunçada. A falta de profundidade boa personagens faz com que tudo aconteça rápido demais e isso atrapalha na imersão do espectador. Alguns personagens, como no caso de Daniel Craig, são colocados na narrativa com a intenção de dar uma dramaticidade mais pessoal. Mas no fim faz com que a produção de Ergüven perca seu aspecto crítico e fique perdido entre uma cena e outra.

Kings: Los Angeles em Chamas traz uma história de grande potencial, mas que não foi bem aproveitada pela diretora. A produção poderia facilmente ser dividida em duas histórias, a de Rodney King e o que seu espancamento acarretou na Los Angeles de 1991, e a história de Millie, mostrando a situação de crianças negras que viviam (e ainda vivem) pelas ruas em um país que se denomina o mais desenvolvido. Seriam dois ótimos filmes onde Ergüven poderia explorar mais seus personagens sem perder a essência de sua história.