terça-feira, 31 de março de 2020

Chico Fumaça (1958)



Toda a obra de Amácio Mazzaropi é algo singular no Brasil e fora dele. Em seus últimos filmes passou a participar de todo o processo criativo da maior parte de seus filmes, desde o roteiro até a produção final. Mas isso só aconteceu a partir de Chico Fumaça, filme dirigido por Victor Lima e produzido por Oswaldo Massaini, que já trazia aqueles trejeitos do Jeca pelo qual Mazzaropi ficou tão conhecido. Vale lembrar que estamos no centenário de Oswaldo Massaini, um dos maiores produtores que nosso país já teve. Assim como em outros filmes, seu trabalho foi essencial para que Chico Fumaça chegasse a maestria, ainda com boa direção de Lima, coroado com a atuação engraçada e ao mesmo tempo engajada de Mazzaropi.

Chico Fumaça é um típico personagem de Mazzaropi. O jeca que vive no interior e pouco sabe sobre o mundo e sua evolução. Um sujeito sossegado que passa os dias a ver o trem passar perto de sua casa e tomar dinheiro emprestado sem ter o mesmo para pagar algum dia, além de enrolar sua noiva, ansiosa pelo casório. As coisas mudam depois de uma forte chuva que acaba destruindo sua morada. Sem ter o que fazer, faz sua “trouxa” com um pano e um galho e sai a andar pelos trilhos. Mas a chuva não destruiu só sua casa, também afetou o caminho pelo qual o trem, que traria o líder do partido “Oportunista” a sua cidade. Então Chico consegue avisar o maquinista e evitar um terrível acidente, é dado como herói e sua sorte muda, e é ai que começa a verdadeira comédia.


O cinema de Mazzaropi vai além do entretenimento, existe ali uma crítica social que até parece sutil, mas está totalmente engajada. Em Chico Fumaça mostra em formato de paródia os bastidores dos dias pré-eleitorais em uma pequena cidade interiorana. Dá para ver como os personagens políticos tentam tirar vantagem do heroísmo de Chico, mas esperto como um mulato que precisou aprender para viver e inocente em suas ambições, não se deixa ser enganado. Em meio a mentira e enganação, o personagem interpretado por Mazza mantém sua simplicidade, quando vai ao Rio só lembra da saudade que sua cidade e sua amada lhe dá. Quando as coisas saem do controle, Chico é visto como vilão por aqueles que o idolatravam, mas é só conseguir, de novo sem querer, mas um ato de heroísmo que já é visto novamente como o rosto do povo para o partido Oportunista, que como o nome já diz, não perde uma deixa.

Victor Lima, que também desenvolveu o roteiro, trabalha uma história divertida, mas que também faz pensar. A manipulação política em época de eleição é algo que ocorre até hoje e a busca de um rosto que possa enganar os eleitores é uma procura constante. O abraço na dona Maria e o aperto de mão do Sr. José é algo que a TV é autorizada a mostrar, mas a parte mais suja dos bastidores fica lá no fundo de todo esse aparato e se alguém se propor a desvendar o que acontece nesse lado obscuro, é bem capaz que acabe como os repórteres de Tropa de Elite. 

sexta-feira, 27 de março de 2020

Rocha Que Voa (2002)


É Tudo Verdade - A humanidade se encontra em um momento sombrio, talvez a maior dificuldade que enfrentamos nos últimos anos. A quarentena deixou os filmes pós apocalípticos e veio fazer parte do nosso dia-a-dia. Nasce o medo e o desespero, a incerteza. Mas ainda precisamos da arte, como foi dito por Fernanda Montenegro em seu Instagram recentemente "sem arte não se vive". Por isso muitas plataformas de streaming, diretores, produtores e distribuidoras decidiram disponibilizar filmes para quem está em casa. O Festival É Tudo Verdade seguiu o mesmo caminho, mesmo optando por adiantar a exibição de filmes mais "frescos" para setembro, fez uma seleção de produções que irão fazer parte do festival e disponibilizou de forma gratuita para aqueles que desejam assistir. O filmes podem ser vistos através do Itaú Cultural e SPcine Play.

Para começar, escolhi um documentário que permeia por esse caminho, a importância da arte em momentos difíceis. Rocha Que Voa, do diretor Eryk Rocha, traz reflexões de um dos maiores realizadores do século 20, Glauber Rocha. O documentário reúne ideias e declarações de Glauber durante sua passagem por Cuba. O cineasta compara o Cinema Novo, do qual foi um dos precursores, com o cinema de Cuba, ali pelos anos 70. Todas a declarações trazem um cunho político e mostra a importância da arte nessa briga social e cultural, que não é muito diferente do que vivemos hoje.

Criando uma compilação de imagens gravadas nos anos 70, Eryk utiliza filtros que colocam o passado e futuro em uma conversa a ser lapidada. A ideia era de unir todo o cinema latino americano em uma única busca, a liberdade. Hoje ainda encontramos esse desejo em cineastas contemporânea, onde produções desse lado da América ganham cada vez mais destaque lá fora e apoio de dentro de casa. 

Rocha Que Voa traz a ideia que Glauber Rocha sempre demonstrou sobre o que, ao seu ver, é cinema. Através da estética escolhida por Eryk, que dá uma apimentada nas declarações, vemos o amor pelo cinema e pela política. Embora os dois pareçam dispares, Glauber enxerga o quanto um poderia apoiar o outro e com isso trabalha em uníssono para que a arte possa demonstrar ao espectador aquilo que muitos procuram esconder. Tudo o que é dito em Rocha Que Voa foi importante nos anos 70, para o cinema chegar ao é hoje. Também foi necessário em 2002, para o novo enxergar o os anseios passado. Hoje, é preciso, pois talvez o Brasil viva sua maior batalha entre política e cultura.

quarta-feira, 25 de março de 2020

O Batedor de Carteiras (Pickpocket, 1959)


Robert Bresson começa com um resumo do que é O Batedor de Carteiras, filme que se destaca entre sua filmografia por ser uma produção autoral e de baixo orçamento, digna do Nouvelle Vague que vinha ganhando espaço na época. Michael (Martin LaSalle) é o batedor em questão e em seu primeiro furto, já vai logo preso, mas por falta de provas é liberado pela polícia. Depois disso começa uma busca incessante por novas vítimas, situação se agrava com a morte de sua mãe e mesmo sendo vigiado pela polícia, Michael segue com seus furtos. Em alguns dias consegue uma boa quantia em dinheiro, em outros não ganha nada e é quase pego, mas o furto de carteiras e relógios passa a ser mais que uma necessidade, como uma mania, uma doença.

Nesse tempo vemos outros personagens em ação. Seu amigo Jacques (Pierre Leymarie) e Jeanne (Marika Green), uma moça que cuidou de sua mãe em seus últimos dias. Eles são opostos a Michael, enquanto Jacques suspeita de suas atividades e busca fazer com que o amigo pare com os furtos, Jeanne desperta um sentimento mútuo entre eles, que se camufla em meio a essa mania do protagonista.

Mas não existe ali um ápice do crime, um grande roubo meticulosamente planejado. Claro que dia após dia Michael treina sua habilidade com as mãos. Com o paletó em um cabide e  a própria carteira no bolso, treina seus métodos. Quando os roubos já não estão rendendo tanto, forma um grupo de furtadores, que em determinado dia fazem inúmeros roubos no terminal de trem. Mas é preciso partir, a polícia está na cola, cada vez mais perto de efetuar sua prisão. Então Michael deixa Paris rumo à Milão, depois Roma e por esses lugares continua suas atividades, mas volta sem nenhum tostão.

Narrado em primeira pessoa, pelo próprio Martin LaSalle, não traz uma história grandiosa ou uma produção ousada. Como era de se esperar devido sua época, O Batedor de Carteiras é uma produção modesta que ganhou destaque devido a visão autoral que Bresson dá ao trabalho. O grande destaque é a condução da história, que é mostrada por Bresson através imagens focadas no semblante angustiado de Michel, que no fim, quando vai preso, finalmente percebe que escolheu o caminho mais tortuoso para alcançar o que queria.