quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O Nó do Diabo (2018)


Estou vendo duas coisas no horizonte cinematográfico. Uma delas é o terror ganhando cada vez mais espaço no cinema nacional, outra, é o cinema nordestino ganhando novo fôlego com suas novas produções. Uma delas é O  Nó do Diabo, filme que reúne cinco contos, tendo como tema a escravidão, dirigidos por Ramon Porto Mota, Jhésus Tribuzi, Ian Abé e Gabriel Martins. O filme é forte e crítica, mesmo através do terror, as raízes escravagistas que persistem no Brasil.

O primeiro conto se passa em 2018, uma fazenda vigiada por um policial frustrado, mandado por um velho escravocrata (interpretado por Fernando Teixeira). O tempo vai regredindo e novos contos ganham a tela, sempre com a escravidão como foco, sempre com o personagem de Fernando Teixeira como o famigerado "sinhozinho".

Esse retrocesso que acontece de conto em conto mostra como o Brasil mudou, se mudou, bem pouco. Hoje a maior parte do que denominamos "elite" descendem desses senhores de engenho, que empregaram seu falso poder naqueles que não podiam questionar. Para mostrar isso, as cenas de O Nó do Diabo são fortes, embora acredite que não chega tão perto do que acontecia na época, acho que isso não seria possível.

Mas voltando ao filme, a união desses quatro diretores resultou em uma excelente obra, um filme muito bem produzido. A história chama atenção para um tema que ainda hoje recorre aos meios para se tornar visível. E esse é o papel do bom cinema: entreter, mas também criticar e provocar mudanças.

O Grande Circo Místico (2018)


Gosto do Cacá Diegues, muito disso devido ao Cinema Novo. Mas fora do movimento, sempre me chamou a atenção a forma como ele trabalhava o lúdico em seus filmes. Agora voltando a direção, ele utiliza esse artifício como nunca havia feito. O Grande Circo Místico é provocador, mas possui uma beleza, que mesmo estranha, agrada.

Um circo centenário. O Grande Circo Místico surge a partir de uma história de amor e vai sendo passado de geração em geração. Toda a história é acompanhada pelo apresentador Celavie (Jesuíta Barbosa), que sonha em ser ator. Enquanto a vida de cada herdeiro vai se desenrolando, o circo resiste a passagem do tempo, sempre apresentando características de cada época.

Em O Grande Circo Místico, Cacá Diegues usa de todos seus artifícios para montar uma boa trama, o filme possui uma estética bonita e montagem característica do diretor. Mas peca no rodízio de personagens, que entram e saem muito rápido de cena, seria o caso de diminuir uma geração e dar mais tempo para as outras? Isso nunca vamos saber. Mas quem está sempre presente é Jesuíta Barbosa, em grande atuação. Um personagem realmente místico, com seus mais de 100 anos e nenhuma marca do tempo.

O filme está representando o Brasil na seleção para o Oscar de Filme Estrangeiro. Essa é a sétima vez que Cacá passa pela seleção, a primeira foi em 1977, com Xica da Silva (o prêmio acabou ficando com Jean-Jacques Annaud com 'Preto e Branco em Cores). Embora a concorrência seja pesada, as chances são boas, já que agora Cacá aposta em um tema que pode não ser novo no meio, mas é uma das melhores produções de ficção sobre a arte circense.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Café com Canela (2017)


Muitas vezes fazer algo simples pode ser mais difícil do que algo muito elaborado. No cinema, como fazer um filme simples ser bom? É um grande desafio. Mas Ary Rosa e Glenda Nicácio alcançam essa meta em seu longa de estréia, Café com Canela. O filme nos leva ao Recôncavo da Bahia para nos contar a história de uma mulher que, após perde o filho, se afasta do marido, amigos e carreira. 

Margarida, interpretada brilhantemente por Valdinéia Soriano, é esta mulher. Em flashbacks vemos um pouco da sua relação com seu filho a ponto de sentirmos a dor da sua perda. Sua auto-exclusão social promove um terror psicológico que começa a atrapalhá-la em suas ações. Em contra partida, temos Violeta, também em ótima atuação de Aline Brune, ex-aluna de Margarida, que ao encontrá-la por puro acaso, decide que sua missão é tirar sua antiga professora do exílio.

Acredito que o experimentalismo seja uma das características de Café com Canela. Hora pelo enquadramento das cenas, outrora pela montagem. Vemos que os dois diretores ousam criar algo diferente, que pode ser certeiro, mas tem lá seus riscos. O filme é solto, entre uma cena e outra vemos transições com paisagens que, embora bonitas, as vezes parecem desconexas. Mas ainda assim dá certo. É bonito ver o recôncavo baiano a partir da visão dos diretores. E todo o risco corrido vale a pena, já que foi trabalhado em cima de uma história bem amarrada que trafega entre a dor e a perda enfrentada por cada personagem a sua maneira.

Em sua totalidade, Café com Canela é um cinema feito por quem gosta de cinema. O diálogo das duas protagonistas sobre o assunto define bem isso. E ainda mais, mostra que através de filmes assim, simples e arriscados, podemos nos sentir mais próximos de cada história, e esperamos que essa dupla, Ary Rosa e Glenda Nicácio, nos tragam ainda mais.

O Insulto (Qadiyya raqm 23, 2017)



Filme libanês indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, O Insulto é roteirizado e dirigido por Ziad Doueiri. O filme traz à tona um debate político e social, que causa polêmica, mas não assume posições e, com isso, temos uma produção totalmente consciente e diferente do que normalmente nos é apresentado.

Tony é um mecânico libanês que costuma regar as plantas em sua varanda. Um dia, enquanto rega suas plantas, acaba molhando o palestino Yasser, que está trabalhando na regularização hidráulica em seu bairro. Devida a tensão da nacionalidade dos dois personagens, o acontecimento acaba tomando outras proporções que começa a ser resolvida no tribunal e, com o passar do tempo, atinge toda a cidade chegando perto de uma nova guerra civil.

A maior diferença de O Insulto é o fato dele não ser partidário. Em momento algum Doueiri apoia um ou outro personagem. Em dado momento, desejamos que a justiça seja a favor de Yasser, noutro, apoiamos Tony. Esse jogo do qual mudamos de lado com frequência transforma a história do filme em algo original, incomum, que nos traz pensamento mais amplos sobre a situação dessa briga entre nacionalidades diferentes.

Mas a qualidade dessa história vai além do roteiro e direção de Ziad Doueiri. As atuações de Adel Karam (Tony) e Kamel El Basha (Yasser) são excepcionais. Com o decorrer da história vamos percebendo que os dois personagens têm muito em comum. Com o tempo eles percebem a grandeza de sua disputa, que deixa os tribunais e tomam as ruas do Líbano, desencadeando conflitos e colocando suas seguranças em risco. Tudo isso acontece com atuações repletas de expressões, que muitas vezes descartam qualquer diálogo. Karam fala mais, enquanto Dasha apela para o gestual, mas ambos com precisão que transforma O Insulto em uma excelente obra.

Esse era um dos filmes indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro que me faltava assistir (o outro é Sem Amor (Loveless, de Andrey Zvyagintsev). Cada um que assisto -- ou reassisto -- fica mais difícil pensar qual deles merecia o prêmio. Certamente O Insulto mereceu ser indicado, não que o Oscar seja parâmetro para decidir se um filme é bom ou não, mas sem dúvidas é uma maneira de mostra que ele tem algo de especial. Nesse caso são muitas estrelas, duas delas se chamam Adel Karam e Kamel El Basha, que para mim transformam a produção em um trabalho ainda mais especial.

Man In The Chair (2007)


É sempre mais prazeroso ver o cinema falando sobre si. Nesses casos vivemos mais que a história da sétima arte, vivemos a visão intimista que um diretor ou roteirista tem de seu trabalho e evolução no mesmo. Man in The Chair é isso, uma crônica que o diretor e roteirista Michael Schroeder consegue transpor através de uma produção que crítica e emociona.

Flash Madden (Christopher Plummer) é um diretor hollywoodiano esquecido pelo tempo, seu dia a dia se resume em ingerir bebidas alcoólicas e apontar o cinema atual como medíocre. Quando Cameron (Michael Angarano) aparece em busca de um diretor para ajudá-lo a ganhar um concurso da escola, Flash precisa rever seus conceitos e reencontrar o que outrora foi seu maior prazer.

Embora seja uma excelente produção, com atuações a altura, Man in The Chair foi pouco comentado em 2007, uma tremenda injustiça. A história vai além da situação de Flash (grande atuação de Plummer) e faz uma crítica social sobre a situação e casas de repouso para idosos nos EUA. A cena que mais me marcou foi algo relativo a isso, quando um amigo de Flash (outra boa atuação de Emmet Walsh) precisa escrever um roteiro para Cameron e usa um computador para fazê-lo. Essa nova descoberta começa com uma explosão de sentimentos e segue um caminho de terror quando o personagem vê toda a destruição física e psicológica que o ser humano é capaz de causar.

A crítica feita por Michael Schroeder é válida para muitos lugares, incluindo o Brasil. O descaso com idosos é algo recorrente e ele busca, através do seu filme, chamar a atenção para essa questão. Man in The Chair emociona, com uma história bem amarrada e significativa, a produção de Schroeder mostra que deveria chegar muito além do pouco espaço que teve.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Valsa Para Bruno Stein (2016)


Baseado no livro homônimo de Charles Kiefer e com direção de Paulo Nascimento, Valsa Para Bruno Stein reúne a história de diversos personagens, todas elas ligadas a Bruno Stein, com uma grande interpretação de Walmor Chagas.

Bruno Stein vive em sua fazenda com a família. Lá funciona uma fábrica de bloco que são produzidos de maneira artesanal. A chegada de um novo empregado desperta sentimentos conflituosos em Bruno, que ainda precisa lidar com o fim da vida. 

Muitas histórias são contadas em Valsa Para Bruno Stein. Os empregados da fábrica de bloco têm seu passado apresentado. Os membros da família Stein também. E toda elas possuem importância necessária para o filme. A jovem interpretada por Fernanda Moro fomenta discussões geracionais com seu avô, enquanto sua mãe possui uma história mais tensa com ele, que vai se desenrolando aos poucos.

Mas organizar todas essas histórias em tão pouco tempo não é uma tarefa fácil. Com excessão de Walmor Chagas, que atua de maneira esplêndida, falto um pouco de presença dos atores. O que vemos são personagens desprendidos de suas histórias, mesmo assim a união de todas elas ainda consegue emocionar.

Paulo Nascimento consegue de um maneira simples entregar ao publico um excelente produção. Fazendo a utilização da serra gaúcha como cenário, temos bons planos que andam em paralelo com os sentimentos dos personagens.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Roma, Cidade Aberta (Roma, Cittá Apperta, 1945)


I Mostra Cinema e Liberdade - Sempre que falamos sobre um cinema usado como crítica social lembramos do neorrealismo italiano. Dois nomes são extremamente importante para essa época, Roma, Cidade Aberta e Roberto Rossellini, seu diretor. Sendo um dos precursores, Rossellini iniciou o movimento com esse filme, que conta uma história sem muitos artifícios, só uma narrativa direta e precisa.

A história começa com o domínio nazista na Itália, após a queda de Mussolini, que vivem a ansiedade da chegada dos aliados, para um novo combate. Um dos líderes da resistência, Giorgio (Marcello Pagliero), é indentificado, ele precisa se esconder para planejar a sua fuga. Então se esconde na casa de um companheiro, Francesco (Francesco Grandjacquet), e são ajudados pelo padre Don Pietro (Aldo Fabrizio), mas quando o cerco alemão vai fechando, todos acabam sendo presos pelo exército nazista.

O mais interessante de Roma, Cidade Aberta não é apenas sua histórias que levanta questões políticas e sociais da época, mas todo seu processo de filmagem. Filmado clandestinamente e com um orçamento escasso, o impacto causado por Rossellini foi grande, devido a opressão nazista vivida pela Itália durante a Segunda Guerra. Fazer cinema naquele tempo era um processo muito difícil, então era necessário aproveitar as oportunidades e isso Rossellini fez bem, tanto no filme em questão, quanto nas sua outras produções, que iam além do entretenimento, atuava também como uma denuncia dos abusos alemães.

Roma, Cidade Aberta é um retrato de um sistema ditatorial repressivo. Rossellini soube usar sua arte para mostrar ao mundo o que muitas vezes é camuflado pela mídia, fazendo de seu filme, merecidamente, uma das melhores produções dos anos 1940.

sábado, 10 de novembro de 2018

Memórias do Cárcere (1984)


I Mostra Cinema e Liberdade - Dando início a primeira edição da Mostra Cinema e Liberdade, depois de uma palestra sobre ditadura com Luiz Felipe Pondé, Memórias do Cárcere -- filme adaptado do livro homônimo de Graciliano Ramos --, dirigido pelo ícone Nelson Pereira dos Santos, ganhou a tela do Cinearte Petrobrás. Narrando a vida carcerária de Graciliano, Memórias é visto como uma das melhores adaptações literárias já feitas no Brasil e, quanto seu significado para a Mostra, faz uma relação do passado e do presente em um retrato social do país.

Nos últimos anos de ditadura militar no Brasil, o escritor Graciliano Ramos foi preso sem ao menos ser acusado. Durante os dez meses de detenção, Graciliano passa por situações inusitadas, todas descritas em sua autobiografia. Como escritor, seu papel na prisão nunca foi de liderança, agia por si e chegou a ser acusado de racista (ou "fachista", como é dito no filme), quando em sua agonia negociou uma cama, que segundo outro "companheiro", deveria ser cedida para alguém mais necessitado. Durante todo esse tempo deu um jeito de registrar seu dia a dia e escrever o romance Angústia, publicado por intermédio de amigos.

Em 1984, Memórias do Cárcere foi ovacionado no Festival de Cannes, onde recebeu o Prêmio Fipresci (Fédération Internationale de la Presse Cinématographique). Nelson tinha visão, mas também contou com uma excelente atuação de Carlos Vereza, que soube transpor a luta cotidiana de Graciliano em frente as câmeras. Em um filme com mais de três horas, seria fácil perder o interesse e assistir em partes, mas a história, bem adaptada (alguns dizem que nem sequer houve um roteiro, só o livro), é tão inusitada que a todo momento esperamos algo novo e sempre o recebemos. Em uma época em que o Brasil vivia a Diretas Já, o filme chamou atenção para o sistema ditatorial que o país viveu anos atrás, algo que quase meia década depois ainda vinha sendo enfrentado. Ainda podemos dizer, e destacar a importância da Mostra Cinema e Liberdade, que podemos enfrentar tais problemas em um futuro próximo.

Memórias do Cárcere foi uma ótima escolha para abrir uma Mostra tão precisa diante da situação que nos encontramos. 7 títulos serão exibidos, sendo eles 'Memórias do Cárcere' (1984), 'O Ovo da Serpente' (1977),  'Roma, Cidade Aberta' (1944), 'Afterimage' (2016), 'Farenheit' (1966), 'Alphaville' (1965) e 'Laranja Mecânica' (1971), grandes clássicos do cinema mundial, que ainda contarão com paineis destacando o tema de cada um deles. Certamente uma excelente opção para o final de semana.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A Pedra Sem Sorriso (Agelastos Petra, 2000)


III Mostra de Cinema Grego - Toda a cultura grega é envolvida por uma mitologia secular. A Pedra Sem Sorriso, do diretor Filippos Koutsaftis, explora o mito que está sob a cidade de Eleusina. Através desse documentário vemos imagens que foram gravadas durante dez anos, registrando uma série de escavações entre os anos 1980 e 1990. Como todo documentário, o objetivo é mais informação que entretenimento, mas o valor atingido pelo diretor faz com que a produção seja uma ótima opção para quem se interessa por história grega e até mesmo mundial.

Desde os tempos antigos, Eleusina é ligada ao mito de Deméter, deusa da Terra, agricultura e fertilidade, e de sua filha Perséfone, que simboliza a natureza e o ciclo eterno da vida. Com isso, eram feitas cerimônias anuais sobre a vida, a morte e a vida após a morte, em rituais poucos privilegiados podiam participar. O documentário desconstrói boa parte desses rituais, levando a tona a crença do povo eleusiano. Embora não siga uma ordem cronológica precisa, a história é contada do momento em que essas cerimônias aconteciam até quando toda a cultura foi esquecida, dando lugar a uma cidade cinza, industrial.

Durante os dez anos que foi gravado, as câmeras capturaram mais que as explorações de sítios arqueológicos. As cenas mostram a destruição desses lugares e acontecimentos, políticos e sociais, que levaram a cidade de Eleusina a ser o que é hoje, como já disse, uma cidade industrial. Mas também temos presentes pessoas que nasceram e vivem no lugar, que lembram das histórias que ultrapassaram gerações. Daí surge uma espécie de protagonista, um homem sem teto que procura, em lixões e aterros, as antiguidades que representam toda essa mitologia. 

Os personagens que ainda buscam resgatar essa história ganham voz através de Koutsaftis. Suas palavras complementam as imagens mostradas durante toda a produção, ainda nos conta a história em que Deméter lamenta a perda de sua filha, dando origem ao nome Agelastos Petra, que acaba virando o título do filme. A Pedra Sem Sorriso é um documentário grego gravado a mais de três décadas, pode não ser uma boa opção para quem procura só entretenimento, mas se levar em consideração seu valor histórico, é um ótimo filme.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Gun City (La Sombra de la Ley, 2018)


Em um cenário muito bem ambientado, Gun City, do diretor Dani de la Torre, nos apresenta uma Espanha dos anos 1920 em um romance policial que relembra os clássicos lançados na década de 80. Embora cometa alguns pecados, o filme mostra a qualidade de produção que a Netflix possui, mesmo quando o produto não é feito para o cinema.

Aníbal Ariarte é um policial misterioso que vai de Madri a Barcelona para investigar o desaparecimento de armas do exército. Um grupo de anarquistas são suspeitos do roubo e durante a investigação uma luta entre eles e a polícia começa. Ariarte acaba fazendo um jogo duplo, onde seu único objetivo é recuperar as armas roubadas e evitar que uma verdadeira guerra comece nas ruas da cidade.

O maior erro de Gun City está na construção de seus personagens. Embora todas as atuações sejam ótimas, falta profundidade no roteiro. Todos são apresentados de maneira superficial, até mesmo o protagonista, impedindo um envolvimento maior com o filme. Claro que levaria muito mais que 126 minutos para que isso acontecesse, então seria o caso de uma minissérie, o que cairia muito bem para a história.

A semelhança com filmes mais antigos do gênero é um ponto positivo, com isso De la Torre consegue nos dar referências, ajudando na ambientação. Se os personagens fossem melhor trabalhados, certamente a imersão seria maior, mesmo sendo um filme que se assisti em casa e não nos cinemas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Suntan (2016)


III Mostra de Cinema Grego - Depois de assistir Kinetta fiquei com certo receio do cinema grego mais recente. Como disse sobre Kinetta, é um filme tão autoral que acaba fugindo do entendimento do público, como se feito apenas para o diretor/roteirista. Mas gosto de correr riscos e isso foi muito bom. Suntan, dirigido e roteirizado por Argyris Papadimitropoulos (co-roteirizado por Syllas Tzoumerkas), me surpreendeu. Embora tenha um quê apelativo, a produção viaja entre as emoções de seu protagonista, chegando a algo parecido com um terror psicológico.

Kostis, um médico de meia-idade, chega a uma ilha grega que no inverno é tranquila e vazia, mas no verão é frequentada por inúmeros turistas e embalada por festas alucinantes. Anna é uma das turistas que Kostis precisa atender após um acidente de moto. O doutor se sente atraído pela mulher, que tem a metade de sua idade, e quando se dá conta, está passando suas noites entre baladas e bebedeiras. Apaixonado, Kostis não se dá conta do que está acontecendo e isso começa a afetar seu trabalho.

Uma das gostei que gostei foram os planos abertos, não me lembro o nome da ilha, mas certamente sua beleza foi bem aproveitada pelo diretor. Claro que temos os focos que captam as expressões dos personagens, que no caso do protagonista é essencial para o desenvolvimento de sua persona. E falando nisso, o trabalho de Makis Papadimitriou como Kostis é excelente. Embora possua uma filmografia extensa, mas muitas vezes de difícil acesso, ainda não conhecia seu trabalho. Os outros atores são medianos, mas cumprem seu papel, apenas Elli Trincou (Anna) participa mais do filme. Na maior parte do tempo o trabalho é feito por Makis e alguns figurantes.

Suntan é apelativo em algumas cenas e pode incomodar o mais conservadores, mas acredito na necessidade de cada cena, para que possamos entender o psicológico de seu protagonista. Não sei bem se esse filme de Papadimitropoulos pode ser rotulado como um filme de arte, tão pouco algo autora, é um filme deveras leve, aproveitando a beleza de uma ilha grega, deixando sua história ainda mais desconcertante, mas certeira.

domingo, 4 de novembro de 2018

Setembro (September, 2013)


III Mostra de Cinema Grego - Como encarar a morte daquele que chamamos de melhor amigo do homem? Essa é a premissa que a diretora Penny Panagiotopoulou usa para fazer um ensaio sobre a solidão em Setembro, seu segundo filme lançado nos cinemas.

Anna vive com Manu, seu cachorro. Ela não precisa de mais ninguém em sua vida, Manu a acompanha em todos os lugares. Durante seu período de trabalho, o cachorro fica no carro e frequentemente é levado para passear. Quando Manu começa a ficar doente, é levado ao hospital, onde morre. Anna o enterra no quintal da família que mora em frente e, mediante a compreensão de Sophia, ela tenta fazer parte daquela família. Vemos um ensaio sobre a solidão e a compaixão, que muitas vezes são encaradas como loucura por outros personagens.

É muito mais fácil compreender a situação da família vizinha que a da protagonista. Anna sufoca. Quando não está presente fisicamente, está a espreita, transformando sua carência em uma obsessão. Sua intromissão se torna engraçada em alguns casos que acontecem no começo, então rimos do azar da família que ela escolheu para importunar. Mas conforme as coisas vão se desenrolando e vemos Anna jogando baixo, mudamos de lado e queremos que ela deixe a família em paz. Algumas opções de melhorias lhe são oferecidas, mas insiste em fazer parte de uma família que não é sua, e pouco fazem questão da sua presença. Então ela atinge um ponto que nenhuma família aceitaria, quando suas ideias são anunciadas já duvidamos que ela seria capaz de fazer isso. Depois do choque de ser expulsa da família da qual não fazia parte, ela se renova e ainda encontra seu final feliz.

Confesso que não tinha muitas expectativas em relação ao filme, mas me surpreendi. A partir de uma história simples a diretora explora diversos sentimentos dos personagens e de quem está assistindo ao filmes. Talvez quem já teve um cachorro, e precisou lidar com a morte dele, os sentimentos sejam ainda mais fortes. Achei September um filme muito interessante, é uma pena que tenha sido exibido apenas uma vez durante a Mostra, certamente muitas outras pessoas deveriam assisti-lo.

sábado, 3 de novembro de 2018

Kinetta (2006)


III Mostra de Cinema Grego - Precisei fazer umas pesquisas para tentar entender melhor o diretor Yorgos Lanthimos e assim conseguir absorver o que vi em Kinetta. Mas acredito que procurar entender sobre o diretor só complicaria mais as coisas. Depois de uma breve pesquisa cheguei a conclusão que não há nada que precise de tanto entendimento assim, Kinetta é uma obra autoral que viaja nos delírios de Lanthimos.

Temos três personagens: um policial, apreciador de BMWs (mas tenho minhas dúvidas se ele não seria apenas um diretor obcecado pela violência), uma camareira e  fotógrafo. Os três se unem para simular assassinatos que acontecem na cidade de Kinetta, na Grécia. A cidade é tranquila e normalmente os três personagens fazem o seu trabalho (daí surge minha dúvida se o policial é mesmo o que a sinopse oficial diz), gravando as cenas de violência nos intervalos do mesmo.

A história parece uma loucura e a produção não fica para trás. Muito devido ao câmera que se mexe tanto -- mesmo em cenas mais estáticas -- que chega a incomodar. Tudo vai acontecendo lentamente, entre poucos diálogos e com a câmera chacoalhando. Mas algo nos mantém atento, espero que aconteça qualquer coisa que nos tire daquela monotonia. Mas nada tira e ainda assim continuamos assistindo.

Mas nem tudo é tão ruim. Percebe-se nos personagens uma frieza inumana. Em meio a toda violência, que algumas vezes vai além da ficção, os personagens agem com tamanha naturalidade, fazendo tudo parecer normal. Talvez seja esse o intuito do diretor, mostrar uma essência do ser humano que pouco vemos, mas que pode existir a partir da monotonia do dia - a - dia.

Esse é um dos filmes que valeria a pena acompanhar um bate - papo depois da sessão. Imagino opiniões bem diversificadas e algumas ainda mais loucas que o próprio filme. Mas por fim, não sei explicar esse Kinetta, só sei que de tão estranho, te prende até o fim.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O Batalhão dos Descalços (To Xypolyto Tagma, 1954)


III Mostra de Cinema Grego - Até o dia 11 desse mês acontece na Cinemateca Brasileira a III Mostra de Cinema Grego. Reunindo alguns filmes do século passado e outros mais contemporâneos, serão exibidos 11 títulos, alguns inéditos no nosso circuito, todos com entrada gratuita. No segundo dia da mostra assisti O Batalhão dos Descalços, filme com direção de Gregg C. Tallas, projetado em 35mm.

 O filme conta a história de um grupo de jovens que, durante a invasão alemã na Grécia, roubavam comida e remédio dos militares alemães para ajudar os moradores de Tessalônica. A história é contada por um dos garotos, agora já na idade adulta, ao se deparar com um menino na situação em que ele se encontrava na época em que tudo aconteceu. A resistência empenhada pelos jovens vai além do caráter político, mostrando o valor social, que é retribuído sempre que eles precisam de cobertura dos moradores.

O Batalhão dos Descalços me lembrou Capitães da Areia – o livro, pois o filme de Cicília Amado foi um fiasco. Embora as crianças se encontrem em situações diferentes, encontramos algumas semelhanças, o que me fez indagar a possibilidade de que o diretor Gregg C. Tallas ter bebido um pouco da história de Jorge Amado para ter desenvolvido seu filme. Mas essa dúvida terá de continuar, já que pouco material sobre o filme é encontrado na internet, mas sendo ou não o caso, é uma ótima semelhança. São poucos os filmes dos anos 1950 que assisti, do cinema grego não acho que tenha assistido algum. Mas algo me chamou atenção, o uso dos planos abertos e o modo como as cenas funcionam durante a noite, algum que deveria ser um grande problema na época. A música também é muito boa, precisa, e as atuações completam a grandiosidade da obra.

Pouco conheço sobre o cinema grego, mas gostei do que vi em O Batalhão... e certamente pesquisarei mais sobre o diretor. Um filme rápido, mas que merecia mais tempo. No fim da sessão ainda fica aquela vontade de ouvir mais algumas histórias sobre os garotos que diante de todos os problemas que encontravam para si, ainda pensavam em ajudar o próximo, usando suas únicas armas para desmantelar um sistema repressivo: o roubo. A Mostra de Cinema Grego está com uma programação bem interessante (confira aqui) e espero conseguir assistir ao menos mais dois ou três filmes. 

O Último Comandante (El Último Comandante, 2010)


Faz um tempo que assisti O Último Comandante, dirigido por Isabel Martínez e Vicente Ferraz, mas entre minhas leituras e notícias que leio por aí, me lembrei de algumas cenas do filme. Embora a história seja um tanto fraca e, algumas vezes, sem graça, ainda conseguimos ter ideias sobre a situação de revolucionários sadinista alguns anos depois do movimento.

Paco Jarquín (personagem fictício) era um dos grandes líderes na Revolução Sadinista, que começou na Nicarágua nos anos 1970. Seu carisma e liderança fez com que muitos o seguisse. Anos depois ele reaparece, mas rejeitando seu passado combativo, mesmo diante de novos problemas políticos na Nicarágua, e assumindo um papel como um fracassado professor de dança. No decorrer do filme vemos suas decisões que o levaram e tiraram da frente de batalha. Embora muitas vezes o julgamos por essas decisões, podemos perceber a dificuldade que é lutar por uma causa tão reprimida por um alto escalão da sociedade. Mas o anonimato de Paco acaba quando alguns dos seus ex - companheiros de batalha começam a te procurar.

O que pensamos a cada cena é por que Jarquín perdeu seu espirito revolucionado sendo um personagem tão inspirador durante a revolução, e inda, por que muito ainda insistem em querer dar continuidade a ela. O fato é que assim como muitos, o protagonista é uma pessoa comum, que cansa assim como qualquer outra. Com isso, ele planeja sua "morte" e parte em busca do que mais o interessa: mulheres e dança. Mas é decadente ver no que ele se tornou, ou ainda mais decadente a carência de quem acreditou nele e ainda espera por um levante revolucionário.

Embora o filme tenha um valor pessoal para os diretores -- Isabel Martínez viveu na Nicarágua durante a Revolução Sadinista e Vicente Ferraz pôde acompanhou tudo o que acontecia aqui do Brasil --, o filme é um tanto arrastado, cansativo. A história é boa, mas os planos não ajudam. A história é boa, as atuações simples, porém precisas, mas falta algo que dê ritmo. Claro que não esperamos tiros e sequestros, a revolução já passou, mas a trama se desenvolve de modo tão arrastado que chega a desanimar. No fim, O Último Comandante vale pela história e uma ideia ou outra, poderia ser melhor se tivesse ritmo e planos mais elaborados. Algumas coisas se fazem faltar e com isso o filme fica no limite para ser mediano.