sexta-feira, 27 de setembro de 2019

O Fim da Viagem, O Começo de Tudo (Tabi no Owari, Sekai no Hajimari, 2018)


Muitas vezes vemos o cinema tratar dele mesmo. É sempre um grande prazer ver os bastidores daquilo que tanto gostamos. Mas foram poucas as ocasiões em que vimos alguma produção sobre a TV, principalmente se excluirmos os filmes de comédia. O longa, do já experiente Kiyoshi Kurosawa, nos traz as aflições da profissão repórter em O Fim da Viagem, O Começo de Tudo. Em um retrato intimista de um apresentadora de um programa japonês sobre viagens, notamos que nem tudo é tão divertidos quanto ela faz parecer e existe, em off, toda uma tensão por estar longe de casa e não ter certeza se é realmente aquilo que gostaria de estar fazendo.

No começo, Yoko (Atsuko Maeda) já sai às pressas, está atrasada para a gravação. Levada, quase contra a sua vontade, de moto por um homem de outra nacionalidade, ela finalmente encontra sua equipe de filmagem. É então que o local onde estão produzindo a matéria nos é apresentado, o Uzbequistão. Estar em um lugar desconhecido, com pessoas que falam outra língua, se torna um verdadeiro problema junto a individualidade de Yoko, que em seus momentos de folga explora a cidade por conta própria. Porém, nada ali parece interessá-la, as paisagens, arquitetura, nada chama sua atenção. Isso acontece com toda a equipe japonesa, que procura mitos e emoções, tratando com descaso a história do lugar. Mesmo quando Temur (Adiz Rajabov), um guia uzbeque, lhes conta uma interessante história, o diretor alega que isso não interessaria o público japonês.

Esse descaso está sempre presente. Ele existe na relação da protagonista com a cidade e cultura local e entre os personagens, que buscam qualquer forma de produzir seu material. Enquanto Yoko corre pela cidade, como se estivesse sendo ameaçada pela diferença dos moradores locais, vemos que a maior ameaça ali são os estrangeiros, que tiram o dia a dia do comum. A equipe japonesa nega a aproximação de outras pessoas, algumas até bem intencionadas, por medo o indiferença. Em um dos casos Yoko está em um ônibus a procura de determinado bazar, o homem ao seu lado parece tentar ajudar indicando em seu guia o melhor caminho, mas ela o rejeita como se suas intenções fossem desonestas.

Enquanto fecha os olhos ao que pode haver de belo no país, Yoko se apega ao celular, pelo qual mantém contato com o namorado. Mesmo quando Temur se esforça para chamar sua atenção para outras coisas, ela se mostra desinteressada, mostrando que está ali pelo trabalho e não fará nada além para viver aquele momento de descoberta. Sentimos a frustração de Temur, compartilhamos com ele o amargo de não poder aproveitar a oportunidade para mostrar tudo o que seu país pode oferecer. Em dado momento, por pura incomunicabilidade, Yoko é detida pela polícia. A conversa com o oficial responsável resume a situação em que a equipe se encontra. Notamos que as coisas seriam bem mais fáceis para a equipe japonesa se os mesmo permitissem que fossem. A partir desse acontecimento vemos Yoko explodir, foi presa, seu trabalho não está indo bem e seu namorado pode estar com problemas no Japão. Um momento de tensão e reflexão, tudo resolvido, agora temos uma repórter aberta para novas possibilidades.

O Fim da Viagem, O Começo de Tudo é um belo retrato da vida contemporânea abordada por Kurosawa. Ele permeia entre alteridade e autoconhecimento. A dificuldade de uma pessoa reclusa, individualista, que contrasta com seu trabalho como comunicadora. Talvez o que há de mais forte na produção é a inserção de uma nova cultura na vida de pessoas que estão alheias ao todo. Durante as duas horas de filme vemos o começo de tudo, seu desenrolar, mas no "final" dessa viagem, sentimos o vazio passado pela vida monótona dos personagens, como teria de ser.

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