terça-feira, 24 de setembro de 2019

Pássaros de Verão (Pájaros de Verano, 2018)


O trabalho que o diretor colombiano Ciro Guerra vem fazendo merece devida atenção. Depois do excelente 'O Abraço da Serpente', longa com o qual concorreu o Oscar estrangeiro em 2016, ele retorna, dessa vez com a diretora Cristina Gallego ao seu lado, com Pássaros de Verão, que segue a linha da produção anterior, mas dessa vez coloca os povos originários, aqui o Wayùu, com uma relação mais próxima do homem branco, logo no início do tráfico de drogas internacional.

Os Wayùu, originários da Colômbia, são uma tribo tradicional, que até os anos 1960 (época em que a história começa) ainda viviam a partir de seus costumes. Raphayet Abuchaibe (José Acosta) é um homem modesto, mas que já começa a divergir das tradições de seu povo, fazendo negócios com arijuanas (aquele que vem de fora, forasteiro). Seu desejo é casar com a filha da família Pushaina, comandada pela matriarca Úrsula (Carmina Martinez). Porém, a venda de café não será o suficiente para pagar o dote, que consiste em algumas cabras, vacas e colares. Quando surge a oportunidade da venda de maconha, usada como erva medicinal pelos Wayùu, ele se junta ao seu amigo arijuana Moncho (Jhon Narvaez) em busca de 50 quilos da erva, encomendado por americanos que dizem estar levando mensagens de paz a América Latina.

Em 1968 muitos jovens começaram a partir dos EUA rumo a países da América Latina para prestar serviços comunitários, conhecidos como "Corpos da Paz". Alguns desses jovens se tratavam de hippies que buscavam novas experiências, como a maconha e LSD. Chegando a costa caribenha da Colômbia, onde poucos nativos falavam espanhol, ainda usavam o dialeto Wayuunaiki, foram em busca da erva medicinal, encontrando (no filme) o intermédio de Raphayet, que só queria pagar o dote de sua mulher.

Essa mulher é Zaida, interpretada por Natalia Reyes. A atividade que começou como uma forma de ganhar dinheiro rápido para o futuro casamento, parte de 50 quilos de maconha para somas que chegam a 1000 quilos. O que de início era um negócio de Raphayet e Mocho, passa a envolver toda a tribo Wayùu. Nisso vemos como as pessoas, uma hora ou outra, ficam a mercê do sistema. Enquanto os jovens norte americanos distribuem mensagens de "não ao comunismo", vemos como o capitalismo leva as pessoas a fazerem coisas que vão em desencontro com suas crenças e cultura. Nesse meio tempo, Raphayet consegue o dinheiro desejado, muito mais que isso, uma casa inimaginada e poder. Em contra partida, consegue inimigos, um conflito interno na tribo, em momento algum vemos os norte americanos intervirem, como se a vida ou a morte de qualquer um ali não valesse o esforço, desde que o negócio fosse feito.

É interessante como Ciro Guerra e Cristina Gallego consegue retratar a história, que traz, ao menos, um pouco de realidade. Com exceção de Carmina Martinez e Natalia Reyes, os atores são descendentes de tribos originárias, sendo que José Vicente Cortez é um verdadeiro Wayùu e como o personagem Andarilho, compõe papel importante para o desenvolvimento da história. O cenário também ajuda nisso, embora o ambiente seco, em momento algum a chuva é recebida com alegria, normalmente ela chega em horas de melancolia, como se fosse mandada por espíritos com o intuito de limpar o mal que vinha ocorrendo. Outra coisa que gostei bastante foi a trilha sonora, que em determinados momentos me fez lembrar Galuber Rocha, como se Pássaros de Verão fosse uma versão colombiana de Deus e o Diabo na Terra do Sol, não pela história, mas pela intensidade do que é ouvido.

O roteiro é de Maria Camila Arias e Jacques Toulemonde, que em sua história mostram como funciona o Capitalismo em cima de personagens que não fazem ideia do que ele significa, onde um sistema é montado e quem está a baixo dele é deixado de lado assim que a coisa aperta. Estamos em uma época boa para o cinema Latino, Pássaros de Verão é mais uma prova de que podemos montar uma produção forte e significativa, ultrapassando as margens do entretenimento e educando a partir de histórias que ainda não ficaram para trás. O filme é dividido em cinco partes, no caso, cinco cantos. As história é "cantada" por um pastor que parece romper a passagem do tempo para mostrar como o sistema é capaz de destruir toda uma cultura.

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